Publicada na noite da última quinta-feira (3/10), a Medida Provisória (MP) 1.262/24 veio concretizar a já esperada adesão do Brasil às regras da OCDE que preveem uma tributação mínima de 15% sobre a renda das multinacionais. Especialistas apontam que a norma não se distanciou muito da proposta internacional, exceto pela tentativa de “ressalvar” os benefícios concedidos a empresas da Sudam e Sudene e os Juros Sobre Capital Próprio (JCP). Com o movimento, a Fazenda tenta fazer com que companhias que utilizam esses incentivos não fiquem tão próximas da tributação mínima, sendo obrigadas a pagar um adicional de CSLL.
A MP prevê que multinacionais com receita anual de, no mínimo, € 750 milhões nas demonstrações financeiras em pelo menos dois dos quatro anos fiscais analisados não poderão estar sujeitas a uma tributação sobre a renda inferior a 15%. Caso o patamar não seja atingido, será necessário o pagamento de um adicional.
A expectativa da Fazenda, de acordo com o diretor de programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Daniel Loria, é de arrecadação de 3,4 bilhões em 2026 com a MP 1.262. Em 2027 o valor será de 7,2 bilhões, e, em 2028, 7,7 bi. A partir de então a arrecadação será de 8 bilhões. Não haverá pagamento em 2025 pelas empresas, já que a medida prevê que eventuais recolhimentos deverão ser feitos a partir de julho de 2026.
Em coletiva de imprensa realizada nesta sexta-feira (4/10), Loria ainda citou que, juntamente com a MP 1.261, editada na última quinta-feira, a MP 1.262 faz parte de um “grande bloco de medidas de tributação da renda”. Parte da arrecadação decorrente das alterações pode ser dedicada a outras medidas em estudo, como a simplificação da tributação das aplicações financeiras e a prorrogação das regras de Tributação em Bases Universais (TBU)
O governo também divulgou que as regras contidas na MP deverão afetar cerca de 957 companhias, ou 0,01% das pessoas jurídicas ativas no Brasil. O número corresponde às empresas multinacionais com tributação da renda possivelmente abaixo de 15% no país.
Sudam e Sudene
Apesar de a tributação sobre a renda no Brasil girar em torno de 34% (25% de IRPJ + 9% de CSLL), algumas situações relacionadas à tributação mínima preocupavam as empresas. A primeira delas é o fato de a alíquota efetiva dos tributos ser inferior à nominal. Em coletiva de imprensa realizada nesta sexta-feira (4/10), o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, afirmou que a alíquota efetiva sobre a renda no país é, em média, de 20%.
Outra questão, que tentou ser endereçada pela MP mas que ainda gera preocupação, está relacionada aos benefícios fiscais de IRPJ e CSLL. No caso da Sudam e da Sudene, por exemplo, as companhias têm direito a uma redução de 75% do IRPJ, deixando-as perigosamente perto do mínimo de 15%.
O mesmo ocorre com rubricas que podem ser abatidas por pessoas jurídicas da base do IRPJ e da CSLL, como os Juros Sobre Capital Próprio. Um uso amplo desse instituto também poderia aproximar as companhias do mínimo requerido pela legislação.
Para tentar resolver a questão da Sudam, Sudene e benefícios similares, a MP prevê, em seu artigo 36, que a partir de 2026 o Executivo poderá transformar os incentivos em um “crédito financeiro classificável como um Crédito de Tributo Reembolsável Qualificado”. Neste caso, valores relacionados ao benefício teriam um impacto menos relevante no cálculo do eventual adicional de CSLL a ser pago pelas empresas.
“É uma oportunidade de o governo fazer com que o benefício para o contribuinte seja mantido, mas de uma outra forma”, afirma Belisa Ferreira Liotti, pesquisadora e doutoranda na WU – Universidade de Viena de Economia e Negócios.
Durante a coletiva de empresa nesta sexta, o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, destacou que o tratamento às subvenções de investimento dado pela Lei 14.789/23 se encaixa nessa regra. Ou seja, empresas que tributam esses incentivos conforme estabelecido pela norma não serão prejudicadas no cálculo dos 15% previsto na MP.
Ainda, Barreirinhas destacou que a MP 1.262 prevê um tratamento diferenciado nos casos de investimentos que importem em aumento de pessoal das empresas ou na ampliação da estrutura, com a compra de maquinário. Nestes casos, um percentual da folha de salários e dos ativos tangíveis da pessoa jurídica poderá ser aproveitado para reduzir a base do adicional a ser pago.
“Há uma redução, em favor da empresa, nos casos de empresas que estão no Brasil e realizam grandes investimentos. Há um fator de redução relacionado à folha de pagamentos e aos ativos tangíveis aqui no Brasil. Se uma empresa está no Brasil e eventualmente tem uma tributação abaixo de 15%, mas fez grandes investimentos ou tem uma folha de pagamento muito grande, é possível que ela não seja atingida por essa medida”, afirmou o secretário.
JCP
Outro tema que preocupava as empresas estava relacionado aos Juros Sobre Capital Próprio. Sobre o tema, porém, a MP 1.262 e a Instrução Normativa 2.228, que regulamenta a medida e está em consulta pública, preveem uma espécie de equiparação do instituto aos dividendos, o que fará com que o Imposto de Renda Retido na Fonte seja utilizado no cálculo da alíquota efetivamente paga pelas companhias.
Como o JCP é um instituto muito brasileiro, porém, especialistas têm dúvidas se a previsão será aceita internacionalmente. Caso outros países reconheçam os Juros Sobre Capital Próprio como redutores do total de tributos pagos, eles poderão, em última instância, exigir o diferencial de alíquotas em suas próprias jurisdições.
Outros tributaristas, entretanto, acreditam que as regras da OCDE permitem flexibilizações como as feitas em relação ao JCP. “As regras modelo GloBE foram desenhadas de modo aberto, para poder se adequar à realidade de cada país”, diz o advogado Victor Polizelli, professor do IBDT e sócio do KLA Advogados.
Lucro presumido
Apesar dos pontos supostamente resolvidos sobre Sudam, Sudene e JCP, especialistas apontam que empresas que se enquadram nas regras da MP e estão no lucro presumido podem se aproximar perigosamente dos 15%. Apesar de o lucro presumido abarcar empresas com rendimento inferior a R$ 78 milhões ao ano, podem ser abrangidas pela nova regra, por exemplo, companhias pertencentes a grandes grupos empresariais internacionais, mas com pessoas jurídicas pequenas no Brasil.
“Se uma empresa brasileira que participa de um grupo multinacional com receita anual acima de € 750 milhões opta por calcular o IRPJ e a CSLL com base no lucro presumido, ela pode ser afetada, porque o lucro presumido acaba por reduzir a alíquota efetiva”, diz Belisa Ferreira Liotti.
CSLL
Outro ponto que chamou a atenção na regulamentação brasileira das regras da OCDE foi a utilização da CSLL para a cobrança do adicional entre o que foi efetivamente pago pela empresa e a alíquota de 15%. Durante a coletiva de imprensa desta sexta, a subsecretária de tributação e contencioso da Receita Federal, Cláudia Pimentel, afirmou que a opção foi feita pelo “aspecto jurídico e constitucional da CSLL”.
Segundo Pimentel, a Constituição prevê a possibilidade de instituição de “uma alíquota diferenciada e uma base de cálculo diferenciada” para a CSLL. “Analisando juridicamente a CSLL se mostra mais flexível para a introdução do imposto mínimo global”, disse.
O IRPJ, por outro lado, seria mais “rígido”, e seu uso esbarraria nos princípios da isonomia e da capacidade contributiva.
Tributaristas, entretanto, não acreditam nessa hipótese. É apontada como mais provável a opção pela CSLL para que a arrecadação não seja dividida com estados e municípios, como ocorreria no caso do IRPJ.
Críticas
A MP tem despertado críticas por parte de empresas, o que pode dificultar a tramitação da medida no Congresso. A Frente Parlamentar do Empreendedorismo, por exemplo, divulgou nota na qual chama a MP 1.262/24 de “MP da Concorrência Desleal”.
Para a FPE, a MP “privilegia o lucro das empresas estrangeiras em detrimento das nacionais, sem adotar o devido diálogo com o setor produtivo e as lideranças do Poder Legislativo”.
A reação, entretanto, foi minimizada pelo secretário Barreirinhas nesta sexta. Segundo ele, medidas do governo já foram criticadas pela FPE anteriormente, mas após diálogo a situação foi contornada.
A advogada Renata Emery, sócia do Sócia do TozziniFreire Advogados, aponta uma outra crítica à MP. Para a tributarista, a medida fere a isonomia entre as empresas. “Eu vou ter um contribuinte que vai ter que pagar 1% e outro que vai ter que pagar 15%”, diz. Segundo ela, sem uma alteração constitucional será dado tratamento diferenciado a empresas distintas, à medida em que só aquelas com faturamento acima de € 750 milhões serão abrangidas pela nova regra.
A favor da medida, por outro lado, pesa o fato de que, de acordo com as regras da OCDE, caso uma empresa recolha manos que 15% e não pague o adicional em sua jurisdição, outro país poderá fazê-lo. Ou seja, o adicional será pago de qualquer forma, resta saber se no Brasil ou em outro país.
“Qualquer multinacional que hoje seja tributada a um patamar inferior a 15% sobre o seu lucro será chamada a recolher a diferença a esse patamar mínimo. Se não recolher no Brasil vai necessariamente recolher em outro país”, afirmou Barreirinhas.
Fonte: Jota Pro