Supremo julga uso de precatórios para pagamento de dívidas de ICMS

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, no Plenário Virtual, uma questão importante aos governos estaduais: a possibilidade de uso de precatórios para o pagamento de dívidas do ICMS. Os ministros analisam lei do Amazonas. Mas ao menos outros oito Estados e o Distrito Federal têm ou já tiveram previsões legais parecidas.

No caso do Amazonas, o relator, ministro Nunes Marques, votou para validar a compensação, contanto que obedeça à previsão constitucional de repasse de 25% do valor do ICMS para os municípios (ADI 4080). Os demais ministros têm até a próxima sexta-feira para votar.

A discussão foi levada ao STF por meio de ação do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) contra a Lei nº 3.062, de 2006, do Amazonas. A norma instituiu a possibilidade de compensação com precatórios expedidos em ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999.

O partido argumenta que a norma é incompatível com a Constituição Federal por prever uma compensação automática. Também afirma que a lei burla a ordem cronológica de pagamento dos precatórios, já que os credores com dívidas do ICMS passariam “na frente” dos demais.

A norma ainda, de acordo com a legenda, desrespeitaria a regra de repartição tributária – 25% do ICMS arrecadado deve ser repassado aos municípios.

Em seu voto, porém, o relator, ministro Nunes Marques, rechaça os argumentos. Segundo ele, não há incompatibilidade com a Constituição, uma vez que a norma respeita o princípio da isonomia e não faz distinção entre os contribuintes para concessão de benefícios.

Para Nunes Marques, o principal mérito da lei é “beneficiar todos os credores de precatórios”, uma vez que, ao compensar dívidas, poderá acelerar os pagamentos seguintes. “Consequentemente, a compensação de que trata a legislação, nada obstante possa antecipar a satisfação de alguns credores, não prejudica aos demais”, afirma o relator.

Sobre a regra de repartição tributária, o ministro destaca, em seu voto, que a lei do Amazonas não dispôs sobre o tema e que essa omissão “pode mesmo ter dado azo à interpretação de que o diploma local isentara o Estado do dever de repassar, aos Municípios, o percentual de 25% dos valores de ICMS compensados com precatórios”.

Conforme já decidido pelo Supremo, por unanimidade, os Estados são obrigados a repassar para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) 25% dos valores de créditos extintos de ICMS, por compensação ou transação tributária (ADI 3837).

Assim, o ministro deu parcial provimento à ação do PSDB, para “conferir interpretação conforme à Constituição à Lei nº 3.062, de 2006, de modo a consignar que a compensação de créditos tributários de ICMS deve observar o dever constitucional de repartição dos 25% pertencentes aos municípios (CF, artigo 158, inciso IV, “a”)”.

Segundo especialistas, o entendimento, se mantido pelos demais ministros, ajuda a dar segurança a outros Estados que têm programas semelhantes. Em São Paulo, por exemplo, a Lei nº 17.843/2023, que trata de transação tributária, permite o uso de precatórios em compensações com dívidas fiscais ou de outra natureza. Minas Gerais, Santa Catarina, Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul além do Distrito Federal, também instituíram normas com previsão semelhante.

Essas leis não foram questionadas judicialmente, segundo tributaristas, mas têm princípios e circunstâncias semelhantes às da normativa amazonense. Gustavo Vaz Faviero, coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados, explica que os programas com limite de data e instituição de condições especiais são predominantes, uma vez que os Estados precisam organizar as contas públicas e não dever tanto em precatórios.

“O que não é possível, segundo o voto do relator Nunes Marques, é deixar de repassar a parcela devida aos municípios. Eles não podem ser prejudicados por um acordo feito entre os Estados e os contribuintes”, afirma o advogado.

Segundo ele, a possibilidade de compensação não gera injustiças contra os demais credores de precatórios. Pelo contrário, os beneficia. “Em tese, a pessoa que faz a compensação não está recebendo seu precatório, está liquidando os valores que teria que pagar. E o pagamento do precatório devido a ela pode ser usado para pagar outras pessoas que estejam na fila”, diz.

Andrea de Toledo Pierri, sócia do Lemos Advocacia, por outro lado, não vê um interesse tão grande de parte dos Estados para diminuir a fila de precatórios. “A grande maioria tem um regime especial de precatórios e faz depósitos anuais, não vejo um grande interesse político em limpar essa fila. Um interesse maior resolveria muitos problemas, inclusive o custo do Estado ao ter que cobrar o contribuinte pelos débitos que poderiam ser compensados”, afirma.

Para ela, o direcionamento dado pelo voto de Nunes Marques é positivo. “A disciplina de compensação de precatórios com tributos é válida, se o contribuinte aceita. Ter a opção da compensação é um ganho de eficiência.”

De acordo com Ricardo Almeida, procurador do município do Rio de Janeiro que atuou na ADI 3837, o cerne da questão é novamente o repasse aos municípios. Para ele, é necessário superar o modelo de federalismo “top down”, de baixo para cima, e passar a construir soluções em diálogo, para que haja inclusive a opção de os municípios abrirem mão também de parte da arrecadação a que teriam direito como forma de fortalecer os programas de transação.

“A sinalização que o STF está deixando é de que União, Estados e municípios construam leis e compartilhem soluções de pagamento, conversem entre si. Um ente não pode simplesmente impor perdas àqueles que teriam garantidas suas participações, segundo a Constituição”, afirma.

Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado do Amazonas informa que “sempre houve o repasse dos 25% pertencentes aos municípios em relação ao produtos da arrecadação de ICMS”, e, portanto, não haverá alteração no modo de compensação no Estado.

Fonte: Valor Econômico

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