Após dois meses de projeto piloto, o Carf já pode, a critério dos colegiados, estender o plenário virtual para todas as suas turmas. A fase inicial foi concluída em 1º de outubro e, a partir de agora, os julgamentos dos processos pautados em reunião assíncrona serão realizados nesta modalidade com duração de cinco dias. Os votos são divulgados em tempo real, a exemplo do Supremo Tribunal Federal.
Ainda que os julgamentos virtuais já sejam uma realidade no âmbito judicial e administrativo, há uma preocupação com o impacto da sistemática na qualidade dos votos. Embora especialistas reconheçam a celeridade como aspecto positivo da mudança, temem a falta de debates qualificados, especialmente em matérias não pacificadas.
Para novembro, a expectativa é de que a 3ª Turma da Câmara Superior faça os julgamentos nesta modalidade. Os processos para a pauta ainda estão em análise pelo colegiado, e a confirmação depende da publicação no Diário Oficial da União. Os julgamentos do colegiado ocorrerão entre 18 e 22 de novembro.
Nas turmas ordinárias, a 1ª Turma da 3ª Câmara da 2ª Seção realizará reuniões assíncronas nos dias 5 e 7 de novembro —apenas no dia 6 o colegiado se reunirá de forma híbrida. O plenário virtual começará às 9h e se encerrará às 23h59min em cada um dos dias, com dez pautas programadas diariamente para votação.
Já na 1ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção, as reuniões assíncronas no plenário virtual terão duração de quatro dias, com início previsto para às 9h do dia 04 e novembro e fim às 23h59min do dia 07. Está pautado ao colegiado julgamento híbrido para 06 e 07 de novembro.
Também estão confirmadas sessões virtuais na 1ª e 2ª Turmas Extraordinárias da 1ª Seção, com duração de três dias. Neste caso, os julgamentos começarão às 9h do dia 5 de novembro e encerrarão às 23h59 do dia 7 de novembro.
Instituído pelas Portarias 1.239 e 1.240, de 2024, o sistema começou a funcionar em 19 de agosto em formato piloto na 1ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção. Em nota publicada no site do Carf, o presidente do conselho, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, afirmou que o plenário virtual deve proporcionar maior transparência ao processo de votação e ampliar o acesso dos advogados a casos de menor valor.
Regras para as reuniões
Alguns conselheiros ouvidos pelo JOTA apontam para uma possível sobrecarga inicial com o volume de processos, fator que também preocupa os advogados atuantes no conselho, que veem uma pressão crescente por produtividade desde o período da pandemia. “A impressão que passa para os contribuintes é de que os debates atrapalham a produtividade”, afirmou um advogado sob reserva.
A direção do Carf quer evitar que as reuniões síncronas aconteçam simultaneamente às assíncronas. A ideia é que não haja acúmulo de trabalho nas turmas e consequente queda na qualidade dos votos. Na modalidade assíncrona, os relatores indicam os processos para o plenário virtual e a definição da pauta continua sob a competência dos presidentes das respectivas turmas. Também é permitido que os advogados gravem a sustentação oral, em áudio ou vídeo.
A exclusão de um recurso da reunião assíncrona é cabível nos casos de relevante e disseminada controvérsia jurídica ou de elevada complexidade de análise de provas. As partes podem apresentar um pedido para que o recurso seja retirado da sessão em até cinco dias após a publicação da pauta. O próprio relator também pode reconsiderar a inclusão do processo em pauta, bem como os demais conselheiros podem apresentar requerimento para retirada do processo que, neste caso, será submetido ao presidente da turma.
O julgamento pode ser transferido para reunião síncrona nos casos em que não houver formação de maioria. A retirada fica a cargo do presidente da turma.
Serão analisados obrigatoriamente em reunião síncrona (presencial, não presencial ou híbrida) os processos de tramitação prioritária ou que tratam da exigência de crédito tributário de valor igual ou superior ao determinado na Portaria Carf 1040/2024. O teto para deslocar os processos para a reunião síncrona na 1ª Seção é de R$ 60 milhões. Na 2ª Seção é de R$ 7,5 milhões e na 3ª Seção é de R$ 30 milhões, considerado o valor principal mais multas. O mesmo vale para os processos de representação de nulidade.
O novo sistema será utilizado para todos os formatos de votação. Assim, tanto no plenário virtual quanto no presencial, os votos do colegiado estarão disponíveis na plataforma. Há expectativa de que o documento seja, inclusive, liberado antes da sustentação dos advogados.
Percepções e expectativas
Especialistas ouvidos pelo JOTA esperam que, além do filtro de menor valor para o plenário virtual, haja também uma avaliação dos julgadores para limitar este formato para os casos menos complexos ou cujas matérias já estejam consolidadas no conselho.
O advogado Cassio Sztokfisz, do Schneider Pugliese Advogados, ressalta a celeridade nos julgamentos de processos menores e aqueles já pacificados no conselho. Embora reconheça o risco da falta de discussão, ele acredita que o pedido de retirada de pauta, nos casos considerados complexos para julgamento assíncrono, está contemplado na portaria, e espera que seja aceito pelo presidente da turma.
Para o tributarista, o valor do julgamento é um bom critério para filtrar os casos que permanecerão no formato virtual, mas não deve ser o único, pois questões de menor valor também podem envolver teses suscetíveis a discussões.
“Se for um caso de relevante controvérsia jurídica, para além dos interesses das partes, pode ir para julgamento síncrono, e isso é positivo. No entanto, não existe a obrigação do presidente da turma em aprovar isso, e isso preocupa, porque vai depender muito dele. Mas a gente crê que na grande maioria [dos casos] deve haver uma concordância, porque eles não vão querer conflito com as partes”, disse.
A advogada Carolina Rigon, do ALS Advogados, afirma que, embora essa modalidade traga agilidade aos julgamentos, ela prejudica o debate entre os conselheiros, especialmente no que diz respeito aos esclarecimentos dos advogados, devido ao número elevado de conselheiros e às constantes mudanças no colegiado. Ela destaca, ainda, a importância de encontrar um equilíbrio entre a rapidez dos julgamentos e a qualidade das discussões, garantindo que todos os aspectos sejam devidamente avaliados.
“O advogado é essencial no julgamento, pois um pequeno detalhe sobre os fatos pode alterar o entendimento de um conselheiro. Julgar matérias não pacificadas ou não sumuladas no plenário virtual pode impactar diretamente não apenas as partes envolvidas, mas também outros contribuintes, uma vez que essas decisões servirão como precedentes/paradigmas”, disse.
Jorge Mussa Guerra Demes, do Pinheiro Neto, analisa que “o Carf ‘errou na dose’ ao estipular os tetos para 1ª e 3ª Seções”, uma vez que esses valores não levam em conta os juros. Assim, segundo ele, o virtual pode vir a julgar casos que chegam a R$ 100 milhões. “Se o teto fosse estipulado no mesmo valor da 2ª Seção, quase 70 mil processos já estariam abarcados, já que, considerados os juros, mais de 90% do estoque do Carf está abaixo de R$15 milhões”, afirmou.
A aposta dos tributaristas é que o plenário virtual aumente não só o número de processos julgados pelo conselho como também a quantidade de votações unânimes, o que pode apontar ainda mais para a falta de debates. Até julho deste ano, o Carf registrou 87,9% de processos julgados de forma unânime, percentual que se aproxima de 2020 (88,7%), quando foram pautados casos de menor valor e os julgamentos aconteceram por videoconferência devido à pandemia.
Fonte: Jota