TJSP anula cláusula de estorno de compra e condena PagSeguro a ressarcir Brasil Ticket

Uma decisão da 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) anulou a chamada cláusula “chargeback”, que permite o estorno de compras indevidas em cartões de crédito. Com isso, obrigou a PagSeguro, da PagBank, a ressarcir a Brasil Ticket em R$ 624 mil – cerca de R$ 950 mil em valores atualizados. O montante foi retido pela instituição financeira após a contestação de compras, obrigando a empresa de vendas de ingressos a arcar com o prejuízo.

A cláusula de chargeback serve principalmente para proteger o consumidor contra operações fraudulentas, mas também pode ser acionada quando há atraso na entrega da mercadoria ou o produto vem danificado. O titular do cartão contesta a compra com a administradora, que verifica se a transação é irregular. O consumidor recebe o estorno e a instituição repassa o custo para o lojista ou prestador de serviço – nesse caso, a Brasil Ticket.

Nesse processo, porém, a Justiça entendeu que a responsabilidade é da intermediadora de pagamento, responsável por fazer a conexão entre a loja e o consumidor, por meio de maquininha ou plataforma online. Para o relator, o desembargador Roberto Mac Cracken, a previsão contratual é abusiva e nula, uma vez que resultaria na responsabilidade exclusiva do vendedor pelas ações decorrentes de seus compradores, no que tange à suspeita de fraude na utilização de cartão de crédito.

A cláusula, afirma Mac Cracken, é “puramente potestativa”, ou seja, depende apenas de uma das partes para que a negociação seja feita, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, conforme artigo 122 do Código Civil. Avalia ainda que é uma situação de autotutela, pois há a “retenção de valores que deveriam ser repassados à parte adversa, sem o devido processo legal”.

Outras decisões já entenderam o chargeback como abusivo, mas não com esses fundamentos, caracterizando-a como “puramente potestativa”. Segundo advogados, o acórdão destoa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto. No entendimento mais recente, de fevereiro, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva estabeleceu que é abusiva a cláusula que imputa ao lojista, em toda e qualquer circunstância, a responsabilidade exclusiva por contestações. Mas determinou que ele deve responder se há falta de cautela diante de transações visivelmente fraudulentas.

No caso, a responsabilidade para o lojista foi mantida, pois a empresa entregou a mercadoria para uma pessoa distinta da que constava no cadastro da loja. Ela também não era a titular do cartão, o que “contribuiu decisivamente para a perpetração da fraude”.

Segundo o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Rafael Bianchini, também auditor no Banco Central, as decisões que declaram a nulidade da cláusula são minoria. Os tribunais veem que está no risco do negócio das credenciadoras e instituições de pagamento, mas elas não podem estipular que não têm responsabilidade alguma sobre as fraudes. Alguma responsabilidade tem que ter. Se nesses processos, acrescenta, as empresas provarem a “culpa” do lojista ou tomador de serviço, são eximidas da responsabilidade. Mas o acórdão dá a impressão que a cláusula é vedada e não é verdade. É amplamente aceita pelos tribunais, mas tem que olhar o conjunto do contrato, diz ele, citando decisão do TJSP em que o custo com o chargeback foi dividido entre a instituição de pagamento e o tomador de serviço.

Procurada pelo Valor, a PagSeguro não quis comentar o assunto.

Texto disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2025/07/22/tjsp-anula-clausula-de-estorno-de-compra-e-condena-pagseguro-a-ressarcir-ticketmaster.ghtml

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