Aprovada a reforma tributária, o Congresso Nacional tem agora pela frente a análise de toda a regulamentação das novas regras. Pelo menos 71 pontos precisarão ser detalhados em lei complementar. Mas alguns são essenciais para que o novo modelo comece a sair do papel.
Os técnicos da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária trabalham com a expectativa inicial de três leis: uma para os novos tributos, outra para o comitê gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e uma terceira para o Imposto Seletivo.
Os “esclarecimentos” por meio de lei complementar substituirão boa parte dos 218 artigos do nosso atual Código Tributário Nacional (CTN), de 1966, que disciplina o atual sistema. Os textos serão elaborados pelo governo e terão que ser enviados ao Congresso no prazo de seis meses, conforme determina o texto aprovado.
“Aprovada a PEC nº 45, a fase mais desafiadora começa agora”, diz o advogado Eduardo Perez Salusse, sócio do escritório Salusse, Marangoni, Parente, Jabur Advogados, responsável pelo levantamento desses 71 pontos. Ele acrescenta que todas as questões que dependem de lei são importantes dentro do novo sistema tributário, mas há quatro que são essenciais e sem os quais a reforma não sairá do lugar.
O primeiro ponto é o que trata das definições relativas à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e ao IBS – bases do novo sistema tributário. Nesse caso, definirá o fato gerador de cada tributo, as alíquotas, quem deve pagar e para quem. “São elementos mínimos necessários para viabilizar a existência do próprio tributo”, afirma Salusse.
O segundo ponto, que depende de lei complementar, é o que envolve aspectos da administração tributária do IBS, previstos no artigo 156-B da PEC 45. Salusse explica que se trata da competência para instituir, fiscalizar e cobrar o tributo, além de dirimir conflitos. É nesse dispositivo que está prevista a criação do comitê gestor que vai arrecadar, administrar e distribuir o imposto. De acordo com ele, o texto da PEC é genérico e ainda muito aberto em suas definições.
O terceiro ponto é o da distribuição do dinheiro arrecadado e a criação dos fundos por possíveis perdas de arrecadação de Estados e municípios com a reforma tributária. O quarto, diz, é a regulamentação das inúmeras exceções e particularidades, onde estão os regimes diferenciados, específicos, ressarcimentos de créditos e outros.
Dezenas de setores conseguiram entrar nesses regimes. No artigo 9º da PEC 45, segundo a tributarista Ana Carolina Monguilod, sócia do CSMV Advogados, existem 13 incisos com diversos setores beneficiados com redução de 60% – entre eles, financeiro, de educação, saúde e de atividades desportivas.
“Ainda não temos ideia de como será essa tributação. Ano que vem o trabalho do Legislativo deve ser ainda mais intenso porque tudo isso deve ser regulamentado com lei complementar”, diz ela, acrescentando que, ao longo da tramitação, o texto foi ganhando mais exceções, o que nada impede que nos próximos anos outros setores ainda sejam incluídos em novas PECs.
Seria melhor, de acordo com ela, um texto com um número mínimo de exceções para que as alíquotas pudessem ser mais baixas para todos e o regime, mais simplificado. “Quanto mais exceções mais complexo fica e a alíquota tende a aumentar”, afirma. “Agora, com o texto aprovado, temos que trabalhar para que ele seja bem regulamentado.”
Para Lina Santin, colaboradora do think tank Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e coordenadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP, a regulamentação poderá ir além dos pontos que a PEC 45 expressamente delegou para lei complementar.
“Como é hoje para o ICMS, ISS e outros tributos, vai ser agora para o IBS e a CBS. Tudo por meio de lei complementar”, diz. “Se espera uma mesma lei para detalhar o IBS e a CBS. O Imposto Seletivo talvez venha em outra lei, mas em todas elas ficará claro qual o fato gerador de cada tributo, a alíquota, quem deve pagar, para quem.”
Depois, acrescenta, será necessária uma lei processual, para dizer quem será o agente competente para fiscalizar, como vai ser compartilhada a receita, quem vai julgar o processo referente a cada tributo novo. “Enfim, ainda há muitas questões a serem enfrentadas”, afirma.
O CCiF, de acordo com a advogada, já havia elaborado um projeto de lei complementar para regulamentar a PEC, que está na mesa de Bernard Appy, secretário da Fazenda para a reforma tributária. “Aliás, parte desse material foi feita quando o próprio Appy ainda estava no CCiF.”
Agora, diz ela, o CCiF trabalha em uma proposta de declaração (obrigação acessória) unificada e autopreenchida para o contribuinte, “o que retiraria muita complexidade para a conformidade tributária”.
Quanto a prazos, segundo Lina, no melhor das hipóteses, até o fim do ano de 2024 as leis complementares deverão estar aprovadas pelo Congresso. “Se não der tempo, ainda teremos até setembro de 2025 porque a previsão da PEC é que a cobrança da alíquota-teste do IBS e CBS comece a partir do ano de 2026”, afirma. Assim, seriam cumpridos os princípios da anterioridade nonagesimal (90 dias) e anual para que um novo tributo comece a ser cobrado.
A advogada também destaca que a aprovação de uma lei complementar é mais simples do que a de uma PEC. Para a aprovação de lei complementar se exige a maioria absoluta (41 senadores e 257 deputados), com votação no Senado em turno único e na Câmara em dois turnos. Para a aprovação da PEC 45 o quórum foi de três quintos (49 senadores e 308 deputados). “Se passou uma PEC, temos uma segurança maior de que vão passar as leis complementares.”
Edison Fernandes, sócio do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, considera que “a espinha dorsal já está lá”. E acrescenta: “A lei complementar não vai poder fugir muito do que foi aprovado”. Os pontos mais urgentes para a regulamentação, para o advogado, são a não cumulatividade ampla e como o contencioso vai ser disciplinado.
Outro ponto relevante a ser definido, a alíquota, pode acabar sendo resolvida mais perto da entrada em vigor do texto, depois de 2026, segundo o advogado. “Acompanhar a calibragem da alíquota vai ser muito importante”, afirma. Fernandes cita os estudos que indicam em torno de 27%. “Mas a possibilidade de não se confirmar é grande”, complementa ele, destacando que um ponto determinante é saber quanto as empresas poderão tomar de crédito.
O sistema de créditos e restituição, o funcionamento do comitê gestor e a amplitude do rol de produtos com tributação favorecida estão entre os temas que mais preocupam as empresas em relação ao novo sistema tributário e que devem ser prioridade nas definições que deverão ser feitas pelas leis complementares, aponta Ana Cláudia Akie Utumi, sócia do Utumi Advogados.
“Essa sistemática do creditamento e da restituição de créditos é muito importante considerando a promessa da simplicidade e do crescimento econômico. Não é tendo dinheiro parado na mão do Fisco que mais gente vai se entusiasmar em investir no Brasil e em fazer economia avançar”, diz.
Fonte: Valor Econômico