Os detalhes da MP que limita compensação tributária e reonera a folha

O governo federal publicou na sexta-feira (29/12) a Medida Provisória (MP 1.202/23) que limita a compensação de valores reconhecidos em decisões judiciais, reonera gradualmente a folha de pagamentos e altera os benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).

Advogados ouvidos pelo JOTA avaliam que a medida provisória deverá ser judicializada, sobretudo no que diz respeito ao limite à compensação, uma vez que restringe o uso de créditos reconhecidos judicialmente. Quanto à reoneração da folha de pagamentos, eles questionam se há urgência e relevância que justifiquem a edição de uma medida provisória logo após o Congresso Nacional ter prorrogado a desoneração até 2027 por meio da Lei 14.784/2023.

Para as regras que limitam a compensação tributária, a medida provisória produz efeitos imediatamente. Quanto à reoneração da folha de pagamentos, as mudanças produzem efeitos a partir de 1º de abril de 2024. Esse prazo atende, na prática, à necessidade de observância da anterioridade nonagesimal — exigida para as contribuições sociais. Quanto ao Perse, no caso das CSLL, do PIS e da Cofins, a produção de efeitos é a partir de 1º de abril. Em relação ao IRPJ, de 1º de janeiro de 2025.

Politicamente, o prazo é importante para que o governo faça a negociação com o Congresso, evitando o discurso de que a MP atropela a decisão do Poder Legislativo, que aprovou a extensão da desoneração e, após o veto do presidente Lula, reverteu o veto.

Limite à compensação
A MP 1.202/23 limita a compensação de créditos reconhecidos em decisões judiciais de valores a partir de R$ 10 milhões. O texto estabelece um piso mensal para a compensação de 1/60 avos, ou seja, de 20% ao ano, mas não define o teto. Em entrevista na quinta-feira (28/12), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o limite anual poderia ser de 30% do montante, mas esse patamar ainda dependerá de regulamentação pela Receita Federal. De acordo com a MP, o limite será graduado em função do valor total do crédito. Ou seja, quanto maior o crédito, maior o limite.

Advogados ouvidos pelo JOTA avaliam que essa restrição à compensação deverá ser judicializada. Tributaristas afirmam que a compensação é autorizada pelo Judiciário justamente porque a União recebeu valores de empresas e pessoas físicas que não eram devidos. Além do processo judicial em si, que pode se arrastar por décadas até o trânsito em julgado (quando não cabem mais recursos), os contribuintes vão ter de esperar para poder usar todos os valores para quitar seus débitos junto à União. Segundo o artigo 4º, parágrafo segundo, da medida provisória, a primeira declaração de compensação deverá ser apresentada no prazo de até cinco anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial.

Pedro Teixeira de Siqueira Neto, sócio do Bichara Advogados, afirma que, com o piso de 1/60 avos mensais (ou 20% ao ano), na prática, o contribuinte terá 10 anos para compensar os valores — considerando o prazo de cinco anos para apresentar a declaração mais cinco anos para se chegar aos 100% dos créditos reconhecidos judicialmente. Para o tributarista, esse prazo também pode ser judicializado, uma vez que é possível que alguns contribuintes não tenham débitos suficientes para utilizar todo o crédito ao longo desse período. Essa discussão foi comum no uso dos créditos envolvendo a “tese do século” (Tema 69) — por meio da qual o Supremo Tribunal Federal (STF) excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Siqueira avalia ainda que a limitação à compensação em si pode ser judicializada, uma vez que o governo está restringindo a utilização de um crédito reconhecido judicialmente.

“O crédito é fruto de uma tributação indevida e, agora, o governo limita a utilização desses valores. É o calote do calote e, certamente, haverá judicialização”, disse.

Caroline Bruhn, sócia do Bastos Tigre Advogados, afirma que a restrição pode significar “um cerceamento a um direito judicialmente garantido, o que poder ser passível de questionamento na esfera judicial”.

Já o tributarista Guilherme Yamahaki, sócio do Schneider Pugliese, observa que a medida provisória não trouxe qualquer restrição sobre a aplicação ou não das novas regras a créditos de decisões já transitadas em julgado, o que pode gerar questionamentos no Judiciário. Yamahaki observa que, para as ações ajuizadas antes da instituição do limite e que estão tramitando, também pode haver judicialização, uma vez que o STJ tem decisões que entendem que o pedido de compensação deve ser apreciado à luz da legislação vigente à época do ajuizamento da ação.

Desoneração da folha de pagamentos
No caso da desoneração, a MP 1.202/23 revoga a partir de 1º abril a Lei 14.784/23, por meio da qual o Congresso Nacional prorrogou até 2027 a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia. Por meio dessa desoneração, as empresas poderiam substituir a contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pagamentos por alíquota que varia de 1% a 4,5% sobre a receita bruta.

Em substituição a essa sistemática, a MP 1.202/23 propõe um novo modelo de desoneração sobre a folha de pagamentos também a partir de 1º de abril de 2024. O texto divide em dois grupos as atividades com direito ao benefício. O primeiro inclui 17 atividades, listadas pelo CNAE, entre elas de transporte e atividades de rádio e televisão aberta. O segundo abrange 25 atividades, por exemplo fabricação de artefatos de couro; construção de rodovias e ferrovias; e edição de livros, jornais e revistas. No primeiro, em vez de pagar a alíquota cheia de 20% de contribuição previdenciária, as empresas começam pagando uma alíquota de 10% em 2024 e que vai até 17,5% em 2027 para, então, voltar ao patamar de 20% em 2028. No segundo grupo, a alíquota começa em 15% em 2024 e chega até 18,75% em 2027, também retornando ao patamar de 20% em 2028.

Além disso, o texto define que essas alíquotas reduzidas serão aplicadas somente sobre o salário de contribuição do segurado até o valor de um salário mínimo. Dessa forma, no que passar de um salário mínimo, vale a alíquota cheia de 20% de contribuição previdenciária. A medida provisória exige ainda uma contrapartida das empresas para que elas tenham direito à desoneração. Elas deverão se comprometer a manter a quantidade de empregados igual ou superior à verificada em 1º de janeiro de cada ano. Em caso de descumprimento, a empresa perde o benefício de redução da alíquota.

Para o advogado Pedro Siqueira, uma vez que o Congresso Nacional aprovou lei prorrogando a desoneração nos moldes anterior até 2027, e que agora foi revogada, os contribuintes podem judicializar a MP 1.202/23 sob o argumento de que não havia urgência ou relevância que justificasse a edição de uma medida provisória sobre o tema.

Perse
A MP 1.202/23 também encerra os benefícios do Perse antes do prazo previsto. Instituído no início da pandemia da Covid-19, por meio da Lei 14.148/2021, o Perse reduziu a zero as alíquotas desses tributos para empresas do setor de eventos. O benefício estava previsto para terminar em 2027. Pela medida provisória, a partir de 1º de abril de 2024, as empresas voltam a pagar a CSLL, o PIS e a Cofins. A partir de 1ª de janeiro de 2025, é retomada a cobrança do IRPJ. Com isso, em todos os casos, a MP respeita a observância das anterioridades. No caso das contribuições, a anterioridade nonagesimal. No caso do IRPJ, a anual.

Fonte: Jota

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