Contribuintes estudam judicializar limite de compensação

O limite estabelecido pelo governo federal para compensações tributárias deve ser questionado por empresas na Justiça. Clientes começaram ontem a procurar escritórios de advocacia para discutir a questão, poucos dias depois de a novidade, prevista na Medida Provisória (MP) nº 1.202, de 2023, ser regulamentada por meio de portaria.

Apesar de elucidar algumas das dúvidas, a Portaria nº 14 do Ministério da Fazenda, publicada na noite de sexta-feira, deve gerar ao menos quatro pontos de judicialização, segundo advogados. Os argumentos que as empresas poderão usar no Judiciário, dizem, vão desde o desrespeito aos princípios da legalidade, isonomia e propriedade à desobediência à coisa julgada.

A judicialização deve envolver, afirmam especialistas, principalmente as empresas com valores totais de créditos entre R$ 100 milhões e R$ 500 milhões. Nesses casos, as compensações devem ser feitas em prazos mínimos de 20 a 60 meses. Para as que têm créditos entre R$ 10 milhões e R$ 100 milhões, o mínimo é de 12 meses, algo considerado razoável.

“Para alguns contribuintes, não vale a pena questionar judicialmente, especialmente os que estão nas faixas inferiores, porque o prazo para compensar é relativamente pequeno, de 12 meses. Eles não vão ter dificuldade. Mas os com valores mais elevados têm sim interesse em litigar”, afirma o tributarista Thales Stucky, sócio do escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe.

Na prática, o teto mensal de compensação para todas as faixas é de R$ 10 milhões. Se o valor dos impostos a serem pagos ao governo for maior, a empresa precisará, então, desembolsar a diferença em dinheiro. Antes, como não havia limitação, o contribuinte poderia compensar todo o crédito de uma só vez.

“Com a nova regra, [a empresa] não vai poder usar tudo em uma compensação só, vai ter que dividir. Então mesmo tendo crédito suficiente para quitar seus impostos, terá de tirar dinheiro do bolso”, diz Stucky. Por isso, acrescenta, o entrave impacta significativamente o fluxo de caixa das empresas, que devem ter de refazer o planejamento orçamentário para este ano.

Para a tributarista Andrea Mascitto, sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados, a portaria também gera uma dificuldade burocrática, porque o sistema da Receita Federal não permite a compensação de créditos acima de cinco anos – período mínimo para compensar valores acima de R$ 500 milhões.

“As Dcomps [declarações de compensação] não conseguem ser transmitidas se o crédito tem mais de cinco anos, ou seja, terá que haver uma coincidência entre o limite máximo e mínimo ou a Fazenda entender de uma forma diferente, para destravar o sistema”, afirma.

É a primeira vez que existe uma restrição temporal e do volume a ser compensado. Antes, outros tipos de baliza foram estabelecidas, com estimativas de Imposto de Renda, contribuição previdenciária e prejuízos fiscais. Desta vez, dizem os especialistas, a limitação foi mais severa por restringir o alcance de uma decisão judicial, direito assegurado pela Constituição.

“Traz uma situação muito injusta porque o contribuinte pagou indevidamente o imposto, percorreu decisão transitada em julgado, aguardou anos, teve custas judiciais e o mínimo que se espera é a imediata restituição do valor”, afirma o advogado Halley Henares, presidente da Associação Brasileira Advocacia Tributária (Abat) e sócio do Henares Advogados Associados.

A medida, dizem advogados, também fere a isonomia porque os contribuintes que optaram por precatório devem receber mais rápido do que aqueles que escolheram a via da compensação. Em média, o precatório federal é recebido no intervalo entre um e dois anos. Aqueles que já iniciaram a compensação ou já escolheram essa via não podem voltar atrás e optar pelo precatório.

Eles entendem ainda que a medida viola o princípio da legalidade. Isso porque uma MP não poderia delegar a um ato do Ministério da Fazenda a regulamentação. Além disso, questiona-se a necessidade e urgência da medida ter sido feita por uma MP, enquanto a via correta deveria ser por lei ordinária, por meio do envio de um projeto de lei. Essa discussão será o tema de uma reunião entre líderes do Congresso hoje.

Alguns destacam que a portaria institui um “empréstimo compulsório disfarçado”. “Na prática, o que o governo está fazendo por via indireta é um empréstimo compulsório. Ele está pegando emprestado um recurso do contribuinte sem obedecer ao que a Constituição determina nesses casos”, afirma o advogado Edemir Marques de Oliveira, do escritório Marques de Oliveira Advogados.

O objetivo do teto, acrescenta, é proteger a arrecadação. Desde 2019, o volume de créditos fiscais contra a União cresceu consideravelmente, sobretudo por conta do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da “tese do século”, que, em 2017, excluiu o ICMS da base do PIS e da Cofins. Ou seja, o governo vai deixar de arrecadar bilhões por conta das compensações feitas com os créditos gerados.

Segundo o Ministério da Fazenda, R$ 60 bilhões foram usados pelos contribuintes para compensar débitos federais, entre janeiro e agosto de 2023. Desde 2019, os créditos judiciais têm representado 38% dos usados nas compensações federais. Entre 2005 e 2018, esse percentual era de 5%. Do total, cerca de 90% vieram da tese do século. Procurados pelo Valor, a Receita e o Ministério da Fazenda não se manifestaram.

Fonte: Valor Econômico

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