Em entrevista ao programa Roda Viva, na TV Cultura, na noite da última segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que pretende discutir com o presidente Lula a revisão da faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) em 2024. O ministro também admitiu redesenhar a medida provisória que reonera a folha de pagamento e chamou de “baita confusão” o fim da isenção para líderes religiosos.
— Nós vamos fazer uma nova revisão este ano (da faixa de isenção no Imposto de Renda). Até por conta do aumento do salário mínimo, o presidente já pediu uma análise para ajustarmos a questão — afirmou o ministro, ao ser perguntado sobre a próxima fase da reforma tributária, que irá mirar a renda.
No ano passado, uma medida provisória aumentou a isenção do IR de R$ 1.903 para R$ 2.112. Além disso, o brasileiro passou a ter o desconto automático de R$ 528 no salário. Assim, na prática, a faixa de isenção passou a R$ 2.640, que equivalia a dois mínimos em 2023.
O objetivo da nova mudança deste ano citada por Haddad seria adequar o valor isento ao novo mínimo (R$ 1.412) em vigor desde 1º de janeiro de 2024. O ministro não informou quando a mudança será feita.
Até a próxima semana, segundo Haddad, haverá também uma revisão “em forma e conteúdo” da medida provisória que reonera a folha de pagamento de 17 setores de economia com mão de obra intensiva. A MP, editada em 29 de dezembro, contrariou duas decisões anteriores do Congresso sobre o tema.
— Nós temos feito negociação de forma e conteúdo, tanto com a Câmara quanto com o Senado — afirmou.
Costura com Lira e Pacheco sobre folha
Haddad deu detalhes sobre os encontros na última semana para tratar da MP que, além da reoneração gradual da folha de pagamento, prevê também o fim do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e a limitação da compensação de créditos tributários decorrentes de decisões judiciais.
— Eu ouvi o presidente Pacheco (Rodrigo Pacheco, presidente do Senado) a respeito do que ele sentia dos líderes e levei ao conhecimento do presidente Lula. Na quinta-feira, Lira foi a Brasília para um encontro comigo em que exploramos possibilidades. Se não nesta semana, na próxima, vamos ter uma decisão a esse respeito.
Segundo Haddad, uma das saídas discutidas no encontro com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, foi o desdobramento da MP em dois textos: uma medida provisória para o Perse e compensação de créditos, e um Projeto de Lei que trataria da reoneração da folha. A proposta foi levada ao presidente Lula, que sugeriu que o tema fosse tratado com Pacheco e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
— Nenhum dos quatro foi refratário à ideia — completou o ministro.
Na última sexta-feira, Pacheco afirmou que a desoneração da folha seria mantida até 2027, como aprovado pelo Congresso Nacional no ano passado. Ele disse, na ocasião, que o governo havia se comprometido a reeditar a MP que previa reoneração gradual da folha a partir de abril.
Haddad também falou sobre reforma administrativa e defendeu que ela começasse “pelo andar de cima”. Ele pediu envolvimento dos Três Poderes e citou o projeto de lei dos supersalários, que limita o pagamento de auxílios para servidores públicos e mira remunerações acima do teto do funcionalismo.
O ministro ainda reafirmou o plano de perseguir déficit zero em 2024 e negou que tenha tratado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma revisão da meta deste ano. O ministro acrescentou que Judiciário, Legislativo e Executivo precisam perseguir o equilíbrio fiscal e que “não vai ser só um ministro” que trará o resultado.
Isenção para pastores foi ‘baita confusão’
Além da reoneração da folha de pagamento, tema que gerou desgaste entre Congresso e governo, o ministro da Fazenda sinalizou um recuo em relação ao fim da isenção tributária de líderes religiosos, outro ponto de embate com congressistas. Haddad afirmou no Roda Viva que o tema gerou “uma baita confusão” e que o governo vai buscar um entendimento do TCU sobre a validade da norma que foi revisada pela Receita Federal.
— O que nós queríamos, era um entendimento do Tribunal, sobre a validade daquele ato. Se o TCU disser que o ato é inválido, não cabe convalidar. Se ele disser que o ato é inválido, nós já mobilizamos a AGU para disciplinar a interpretação da lei segundo o Executivo. Qual é o problema disso?
O ministro afirmou que a saída dará “segurança para todo mundo” e acrescentou que recebeu pastores ao longo da semana que elogiaram a postura do Ministério da Fazenda.
A indisposição entre igrejas e Fazenda foi deflagrada na semana passada, quando a Receita Federal – sob recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU) – suspendeu a isenção tributária para remuneração de pastores e líderes religiosos. A isenção foi uma medida herdada do governo Jair Bolsonaro, tomada às vésperas da eleição presidencial.
‘Reglobalização sustentável’
Haddad comentou ainda sobre o cenário internacional. Ao ser questionado sobre a possibilidade de Donald Trump vencer as eleições dos EUA este ano, ele citou a “política de constrangimento” como uma possível estratégia, em especial para a pauta ambiental. O ministro também falou da ambição do presidente Lula em promover o que seria uma nova globalização ecológica.
— Não existe um alinhamento global. O que funciona na política muitas vezes é o constrangimento, a pessoa não ter saída. No caso da transição ecológica, ela está se mostrando cada vez mais necessária. O presidente Lula pensa em propor uma globalização sustentável do ponto de vista ambiental e social.
Haddad também citou o interesse de Biden em se aproximar do Brasil e afirmou que vê “uma grande oportunidade pela frente” para a economia brasileira no cenário internacional. Ele citou a volta de investimentos no país com a queda da taxa básica de juros e possibilidade de um início de desaperto monetário nos EUA.
— Eu acredito que os investimentos vão voltar e que eles reajam. Também acredito no marco de garantias e na agenda microeconômica que vem com ele.
Fonte: O Globo