O Poder Executivo pode regulamentar as leis sobre compensação tributária, mas não tem competência para criar limitações ou condições ao direito dos contribuintes que foram reconhecidos em decisões judiciais definitivas.
Com esse entendimento, a juíza Tatiana Pattaro Pereira, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, concedeu decisão liminar para permitir à Seara que compense integralmente os créditos tributários reconhecidos judicialmente em seu favor.
A compensação seria limitada pela aplicação da Medida Provisória 1.202/2023, editada no final de 2023 pelo governo Lula como parte do esforço para atingir o déficit zero em 2024.
A MP criou um limite para a compensação de créditos tributários decorrentes de decisões judiciais definitivas. Ele só valeria para decisões cujo valor total supere R$ 10 milhões, mas seria pormenorizado por ato do Ministério da Fazenda.
Em janeiro, foi publicada a Portaria Normativa MF 14/2024, traçando esses limites.
Para créditos entre R$ 10 milhões e 99,9 milhões, a compensação teria de ser divida em prazo mínimo de 12 meses. Já créditos entre R$ 100 milhões e R$ 199,9 milhões, o período aumenta para 20 meses.
A norma avança progressivamente até créditos superiores a R$ 500 milhões, cuja compensação deve ser feita, no mínimo, em 60 meses. Segundo o ministro da Fazenda Fernando Haddad, a ideia seria evitar que multinacionais passassem anos sem pagar imposto.
Com isso, a Seara se viu impossibilitada de compensar plenamente créditos obtidos em decisões judiciais e já habilitados junto à Fazenda em período anterior ao da edição da MP 1.202/2023.
Faltou lei
Os advogados da empresa sustentaram que a MP ofendeu o artigo 170 do Código Tributário Nacional, segundo o qual apenas a lei pode dispor sobre as condições e as garantias para as compensações administrativas.
Além disso, citou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça segundo a qual as compensações tributárias obedecem ao regime jurídico vigente na época do ajuizamento da demanda (Tema 265 dos recursos repetitivos).
Também invocaram o Tema 345 dos repetitivos, que diz que as restrições posteriores ao direito de compensação não alcançam o crédito que foi reconhecido em ações judiciais propostas em datas pretéritas.
Para a juíza Tatiana Pattaro Pereira, a MP contraria o princípio da reserva legal, pois o poder de fixar o limite mensal para a compensação dos créditos só poderia ser tratado por lei, não em ato do Ministério da Fazenda.
“O Poder Executivo apenas poderia regulamentar as disposições legais, não podendo, todavia, criar limitações ou condições ao direito dos contribuintes”, concluiu.
Segurança jurídica
Para Carlos Gama, advogado tributarista no Freitas, Silva e Panchaud, a decisão preserva a segurança jurídica, uma vez que a MP 1.202/2023 impactou drasticamente o planejamento financeiro das empresas, feito a partir de decisões definitivas.
Ele questiona, ainda, a constitucionalidade da norma, uma vez que um dos requisitos para uso de medida provisória é a urgência da medida.
“A exposição de motivos fala que o objetivo é estancar a compensação de créditos decorrentes da tese do século. Isso não é relevante a ponto de justificar a MP.”
A MP 1.202/2023 já teve a constitucionalidade contestada no Supremo Tribunal Federal, pelo Partido Novo. A corte vai adotar o rito abreviado e julgar direto o mérito, sem apreciar o pedido de decisão liminar. O relator é o ministro Cristiano Zanin.
Ainda em dezembro de 2023, advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico apontaram que a medida provisória é inconstitucional, viola direitos adquiridos do contribuinte e causa ampla instabilidade jurídica.
MS 5000960-39.2024.4.03.6100
Fonte: ConJur