A Justiça Federal em Minas Gerais recebeu denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF), com o apoio do Grupo Especializado de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), contra 6 pessoas acusadas de formarem organização criminosa para prática de estelionato por meio de fraude aos sistemas da Receita Federal do Brasil (RFB). A organização, investigada pela Operação Inflamável da Polícia Federal (PF), oferecia supostos serviços de “inteligência tributária”, por meio da empresa de consultoria Tributary, a clientes varejistas, em sua maioria postos de combustíveis, com a promessa de que teriam falso direito à restituição tributária da Receita Federal.
Os crimes teriam ocorrido entre novembro de 2021 e outubro de 2022, causando prejuízos milionários aos cofres públicos e aos clientes da consultoria Tributary, sediada em Lagoa Santa (MG). Segundo a denúncia do MPF, a empresa gerida pela organização criminosa teria se especializado em fraudes mediante aplicação de artifícios nos sistemas de lançamento de créditos tributários e de formulação de pedidos eletrônicos de restituição tributária da Receita, que tinham como objetivo restituições francamente indevidas de Pis e Cofins em nome de clientes.
Ainda de acordo com o MPF, a organização criminosa lançou créditos tributários fictícios, sem causa lícita, no fabuloso valor de R$ 3,69 bilhões, em nome de milhares de contribuintes. Desse total, R$ 348 milhões foram indevidamente pagos a 196 clientes da empresa da consultoria Tributary. “As restituições não alcançaram valores ainda mais impressionantes porque a fraude foi detectada e novos pedidos de restituição baseados em créditos falsamente lançados foram barrados nos sistemas eletrônicos”, informam os procuradores da República que assinam a denúncia criminal, já recebida pela 1ª Vara Federal Criminal de Belo Horizonte.
A fraude foi descoberta após o contador de um grupo empresarial, que havia contratado a consultoria tributária, ter procurado a Polícia Federal para noticiar um depósito sem causa de R$ 9 milhões na conta de seus clientes.
A fraude – De acordo com o MPF, duas empresas eram usadas na fraude, a Correct Tax Consultoria Tributária Ltda, cujo nome fantasia é Tributary, e a Solutions Tributary Ltda. A primeira empresa se apresentava aos clientes (contribuintes) e celebrava os contratos, ao passo que a segunda recebia as procurações para a operacionalização dos pedidos de restituição. Dessa forma, a fraude iniciava a partir de um “discurso enganoso perante o mercado consumidor” onde a Tributary, que se vendia como especializada em matéria de recuperação de créditos e de “inteligência tributária”, garantia haver “alguma ‘tese tributária’ consolidada na jurisprudência e aceita pela RFB, o que nunca houve.
Os clientes prospectados, que confiavam na seriedade da consultoria, assinavam contrato se comprometendo a remunerar a empresa com 30% dos valores restituídos, em geral. A partir daí, a empresa enganava a Receita por meio da “utilização de códigos residuais de geração de crédito e de software para lançamento em massa de informações retificadoras nas escriturações digitais (EFD-Contribuições)”. Conforme narra o MPF, a organização criminosa se valeu de uma “vulnerabilidade no sistema de restituição” que “fez com que pretensões que seriam certamente rejeitadas na esfera administrativa passassem despercebidas”.
Por fim, quando alguns empresários questionavam a consultoria tributária “diante de valores tão elevados e inesperados” a serem restituídos, a Tributary alegava “segredo profissional” ou “segredo da expertise”, para sustentar a fraude e impedir que os clientes compreendessem o porquê do recebimento de valores tão expressivos.
Multas e endividamento – A partir do segundo semestre de 2022, a Receita “instaurou procedimentos de conformidade contra milhares de contribuintes, dando-lhes a oportunidade de cancelar as inserções de informações falsas na escrituração digital (EFD-Contribuições) e de restituir as quantias indevidamente recebidas sem aplicação de multas”.
Mas, como a maioria desses clientes acreditava na lisura dos procedimentos da consultoria tributária contratada, que também se recusava a devolver a parcela da restituição recebida (em geral, 30%), várias dessas empresas não aceitaram a oferta de solução amigável proposta pela RFB. Essa situação resultou no lançamento de pesadas multas e endividamento dessas empresas.
Direito de crédito – No caso de produtos e mercadorias sujeitos à tributação monofásica (concentrada) e destinados à revenda, como é o caso do combustível, entre outros, não existe direito de crédito, de acordo com a legislação, com a jurisprudência e com o entendimento da Receita Federal do Brasil.
A legislação proíbe expressamente o aproveitamento de créditos nas operações de revenda de mercadorias e produtos monofásicos (art. 3º, I, b, da Lei 10.637/2002 e art. 3º, I, b, da Lei 10.833/2003). E a Receita Federal tinha entendimento administrativo expresso contrário à geração de créditos de Pis e Cofins na revenda de produtos sujeitos a tributação concentrada, entendimento consolidado bem antes do início das fraudes.
Número da ação criminal na JF: 1006208-54.2022.4.06.3800
Fonte: Ministério Público Federal