O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) não atualizou suas estimativas de arrecadação para o ano com a opção de pagamento especial para contribuintes derrotados pelo voto qualidade nos julgamentos, apesar de a medida ter tido zero adesão nos primeiros meses do ano, conforme revelou na semana passada a Receita Federal. Notas técnicas obtidas pelo Valor via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que “não houve apresentação, pelo Carf, de novos documentos relativamente ao relatório do segundo bimestre”, em referência ao relatório de avaliação de receitas e despesas do Orçamento divulgado em maio.
Com isso, o governo manteve a estimativa de arrecadar R$ 55,6 bilhões com os acordos do voto de desempate do Carf, mesmo valor que constou no primeiro relatório de reavaliação do Orçamento, de março. Na semana passada, o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Claudemir Malaquias, ainda não houve adesão de contribuintes às condições especiais de pagamentos introduzidas em 2023 na Lei Carf, que preveem o perdão de multa e juros para os contribuintes que perderam no voto de qualidade.
A manobra ajudou o governo a evitar contingenciamento de despesas no segundo relatório bimestral, que acontece quando há risco ou descumprimento do intervalo de tolerância da banda de resultado primário. No segundo relatório bimestral, o governo previu déficit de R$ 14,5 bilhões para o ano, longe da meta zero, mas dentro da banda que admite um rombo de até R$ 28,8 bilhões. Se houvesse revisão do Carf, reduzindo em 30% a estimativa de arrecadação, por exemplo, o governo já seria obrigado a congelar despesas.
Novo relatório
O terceiro relatório bimestral de reavaliação do Orçamento será divulgado até 22 de julho, e o governo vai reduzir a estimativa de arrecadação com o Carf, segundo apurou o Valor. O montante ainda estaria sendo calculado. O Carf é a principal entre as dez medidas extras de arrecadação que o governo tem se valido para tentar chegar ao déficit zero este ano, como prevê a meta de resultado primário.
Na avaliação da economista Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), esse seria o movimento mais prudente. “É preciso haver uma projeção mais realista ou até mesmo não a considerar [as receitas com o Carf] por enquanto, dada as incertezas associadas a sua concretude.”
Questionado ontem se o governo prevê contingenciamento de recursos no próximo relatório, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apenas reforçou que o congelamento de gastos vai ser do “tamanho necessário” para que as metas sejam atingidas.
As notas técnicas obtidas pelo Valor também mostram que o Carf aumentou em R$ 11,6 bilhões em março a estimativa de arrecadação para o ano – que seria de R$ 44 bilhões (valor arredondado) para R$ 55,6 bilhões -, ao considerar que o conselho conseguiria manter o patamar de julgamento obtido em fevereiro até setembro e ao contar que 50% dos grandes processos (acima de R$ 1 bilhão) oriundos de delegacias de julgamento da Receita Federal (DRJ) chegassem ao Carf até o fim de junho para serem julgados em setembro.
Inicialmente, a área técnica do Carf, em nota técnica do dia 12 de março assinada também pelo presidente Carlos Higino, projetou R$ 870 bilhões em julgamento no ano, com previsão de arrecadar R$ 44 bilhões. O número foi feito levando em consideração medidas recentes adotadas pelo conselho para acelerar os julgamentos, como ampliação do número de conselheiros e aumento da distribuição da carga processual.
Três dias depois, em 15 de março, Higino atualizou a estimativa, passando a prever julgamentos que somassem R$ 883 bilhões no ano, resultando numa arrecadação de R$ 55,6 bilhões, valor que foi incluído no relatório de reavaliação do Orçamento. Para esse aumento de R$ 11,6 bilhões em três dias na projeção, Higinio justificou que seria possível considerando os seguintes parâmetros: manutenção do patamar de julgamento de fevereiro, de R$ 94 bilhões, até setembro; e que 50% dos grandes processos da DRJ, no valor total de R$ 66 bilhões, chegassem ao Carf até o fim do primeiro semestre deste ano, viabilizando serem julgados até setembro.
Procurado para comentar se os parâmetros se confirmaram até o momento, o Carf não respondeu. O conselho também não comentou por que deixou de atualizar suas projeções no segundo relatório bimestral, apesar da baixa adesão às condições especiais oferecidas aos contribuintes derrotados no voto de qualidade.
A nova lei do Carf, sancionada em setembro do ano passado, prevê que, caso o contribuinte seja condenado por voto de qualidade (quando o desempate é pró-União), há exclusão de juros de mora em caso de manifestação para pagamento pelo contribuinte no prazo de 90 dias, que poderá ser parcelado em até 12 prestações mensais. Além disso, há exclusão de multas e cancelamento de representação fiscal para fins penais.
As novas condições eram tidas pela equipe econômica como fundamentais para que a Fazenda consiga arrecadar com os julgamentos, já que tradicionalmente os contribuintes, quando condenados, recorrem ao Poder Judiciário antes de realizar o pagamento.
Fonte: Valor Econômico