Um novo entendimento da Receita Federal restringiu a base de cálculo dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), medida usada por empresas para distribuir lucro aos sócios e deduzir o montante do Imposto de Renda (IRPJ). Por meio da Instrução Normativa nº 2.201, publicada no dia 22, o órgão determinou que não podem compor os JCP valores usados para aumentar o capital social que sejam oriundos da reserva de incentivo fiscal.
Para advogados, a norma seria ilegal e, na prática, aumentaria a carga tributária para os contribuintes que recolhem o Imposto de Renda pelo lucro real – aqueles com faturamento anual acima de R$ 78 milhões. Alguns tributaristas, inclusive, já orientam clientes a udicializar a questão pela “patente ilegalidade” da norma. Consideram que a instrução normativa extrapola a Lei de Subvenções, a nº 14.789/2023.
A norma, editada no fim do ano passado, já havia restringido o cálculo dos JCP. O texto passou a vedar o uso da reserva de incentivos fiscais para compor a remuneração. Outra alteração foi que apenas o capital social integralizado – e não todo o capital social – poderia entrar na base de cálculo.
“O capital social subscrito, mas ainda não integralizado, não poderia compor a base de cálculo dos JCP. É até lógico, porque o dinheiro ainda não está na empresa, então não se poderia pagar juros sobre ele”, afirma Leandro Aleixo, sócio fundador do escritório AleixoMaia, que já tem clientes que entrarão em breve com processo judicial.
A IN, na prática, adiciona mais uma linha à exceção prevista na lei. Define que a reserva de lucros de benefícios fiscais é composta tanto pelas doações quanto subvenções dadas pelos governos e “inclusive as parcelas que tiverem sido destinadas ao capital social e à reserva de capital”. É esse último trecho que tem incomodado tributaristas.
“Quando a Receita fez essa definição, mesmo que a empresa tiver feito um movimento permitido pela lei tributária, uma parte da reserva de incentivos mesmo estando no capital social não pode ser considerado no cálculo dos JCP”, afirma Thais Shingai, sócia da área tributária do Mannrich e Vasconcelos Advogados.
Aleixo diz que, após a Lei das Subvenções, muitas empresas converteram a reserva de incentivos em aumento do capital social, que fica na conta do patrimônio líquido, para poder incluir esse valor na base dos JCP. A reserva de lucros era obrigatória, até o ano passado, para permitir a isenção dos incentivos fiscais de ICMS perante a União. Só que como a nova legislação revogou esse dispositivo e todos os benefícios passaram a ser tributados pelo governo federal independentemente da reserva, não fazia mais sentido para as empresas reter esses valores.
Portanto, afirma o advogado, aquelas que fizeram a transferência serão prejudicadas com a nova norma da Receita. “As empresas adotaram essa estratégia. Passou a ser uma medida muito importante porque a Lei das Subvenções aumentou a carga de IR de várias companhias.”
A redução tributária pelos JCP é da ordem de 19%, diz Aleixo. Apesar de os acionistas serem tributados na fonte, é possível abater esses valores dos 34% devidos no Imposto de Renda e CSLL.
Para Giancarlo Matarazzo, do Pinheiro Neto Advogados, há uma contradição entre a IN e a lei. “Ela criou uma hipótese de restrição da base de cálculo dos JCP claramente ilegal, porque não estava prevista no texto original”, afirma.
Essa também é avaliação de Gustavo Taparelli, sócio do Abe Advogados. “Se o objetivo era evitar planejamento tributário abusivo, bastaria à Receita Federal fiscalizar as empresas que realizassem capitalização da reserva de lucros de incentivos fiscais para checar a existência a ou não de propósito negocial da operação”, diz o advogado.
Os especialistas destacam que a Lei nº 14.789 afirma, no artigo 16, que as reservas de incentivos fiscais só podem ser usadas para aumentar o capital social da empresa ou absorver perdas. Portanto, a IN não poderia trazer uma restrição quanto a isso. “Está se fazendo uma coisa que está prevista em lei, mas a IN diz que se a integralização de capital for com reserva de lucros não vale”, diz Matarazzo.
Por isso, ele acredita que a norma “vai gerar novas discussões”, inclusive no Judiciário, mas entende não ser o momento adequado para entrar com o processo. Isso porque, na visão dele, as empresas não são obrigadas a seguir a IN, já que só uma lei poderia impor uma alteração. “Os auditores devem seguir o que está na IN, mas os contribuintes não estão obrigados porque só a lei pode criar uma restrição.”
Segundo Thais, a decisão de levar o debate para o Judiciário “depende da estratégia e postura de cada empresa”. “A vantagem de já judicializar é evitar uma autuação fiscal com multa, de pelo menos 75%. Mas, se adotar esse primeiro caminho, perde a chance de se discutir no Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais], na via administrativa”, afirma.
Na prática, acrescenta a advogada, a ampliação da restrição pela Receita termina por aumentar a carga tributária das companhias. “São valores que reduzem o Imposto de Renda da empresa. Então, se a Receita amplia o cesto de valores que não entram na conta, no final do dia, está aumentando o tributo”, diz.
De toda forma, a nova regra, segundo os tributaristas, não deve reduzir o uso dos JCP, especialmente em um contexto de alta da taxa básica de juros, a Selic. “Vale muito mais a pena remunerar o capital do sócio do que obter um capital de terceiros via endividamento e pagar taxa de juros muito alta. Então os JCP continuam sendo adequados para manter as empresas devidamente capitalizadas”, afirma Giancarlo Matarazzo.
Procurada pelo Valor, a Receita não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico