O governo formalizará neste mês um grupo de trabalho para tratar da implementação do “split payment”, uma das principais novidades da reforma tributária do consumo. O sistema permitirá o recolhimento dos novos tributos – a Contribuição (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – no momento da liquidação financeira da transação, o que não acontece hoje.
O mecanismo é visto pelo Ministério da Fazenda como fundamental para ressarcimento rápido dos créditos tributários e para redução da inadimplência, sonegação e fraude. Para tributaristas, há risco de judicialização e de duplicidade de pagamentos.
Segundo o Valor apurou, o grupo será composto por representantes do Comitê Nacional de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz), dos municípios e da União e terá como objetivo tratar de questões técnicas sobre a implementação do split, inclusive com a participação das entidades do setor financeiro e do Banco Central.
Atualmente, o grupo já funciona informalmente, através de diálogo entre os técnicos da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, da Receita Federal e dos Fiscos estaduais e municipais. Porém, não há participação das instituições financeiras, nem uma estrutura decisória e de governança. Essa estrutura será criada a partir de uma portaria, que será publicada no “Diário Oficial”. A previsão é que saia neste mês, assim como a primeira reunião para definição do calendário de trabalhos.
O “plano A” da Fazenda é que o split funcione em fase de testes em 2026 e entre em pleno funcionamento em 2027, tanto no modelo “inteligente” quanto no “simplificado”, este opcional e direcionado ao varejo. Porém, técnicos ouvidos pela reportagem afirmam que há possibilidade de um faseamento, caso não seja possível fazer a implementação total até 2027.
O maior desafio será colocar em funcionamento o modelo “inteligente”, que vincula a nota fiscal à transação de pagamento, sendo possível separar o valor do tributo no momento da liquidação financeira para recolhimento aos cofres públicos. O mecanismo também já vai considerar os eventuais créditos tributários para fazer o desconto.
O sistema financeiro, segundo o Valor apurou, tem preocupações quanto ao prazo considerado curto para implementação. Os agentes pedem que haja isonomia entre os meios de pagamentos e que, se a implementação for faseada, seja algo negociado com o setor. Segundo técnicos do governo, esse tema será debatido no grupo de trabalho, junto com o cronograma.
Outra preocupação do setor financeiro é com os custos para desenvolvimento e manutenção do sistema. Eles querem ser ressarcidos, de alguma forma. Ainda não há decisão. O projeto de lei que regulamenta a reforma tributária do consumo (PLP 68/2024) prevê que o Executivo e o Comitê Gestor do IBS deverão aprovar orçamento para “desenvolvimento, operação e manutenção do sistema do split payment”.
A ideia entre os técnicos do governo é gerar “o mínimo” de ônus possível para o sistema financeiro e para os contribuintes. Por isso, o objetivo é adaptar as notas fiscais eletrônicas e os sistemas dos Fiscos da União e dos Estados e municípios, e não o contrário, explicou uma fonte. O Serpro – estatal federal de tecnologia da informação – deve participar do desenvolvimento do split.
Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que o setor bancário está pronto a dialogar da “melhor forma possível sobre os pontos ainda pendentes de regulamentação”. Esses pontos pendentes são: custeio do desenvolvimento do sistema, a remuneração pela prestação do serviço de arrecadação, limites de responsabilização, prazo de implementação e outras questões técnicas, operacionais e de segurança.
Segundo André Menon, tributarista do Machado Meyer Advogados, o split payment tende a garantir a arrecadação, dar lastro para o ressarcimento de créditos e afastar a concorrência desleal de empresas que não pagam tributos – com a retenção automática será mais difícil burlar as regras tributárias.
“Hoje muitas empresas enfrentam concorrência desleal porque o concorrente não paga tributo, o que permite que pratique um preço melhor no mercado, esse ponto pode ser bem resolvido pelo split payment”, destaca.
Como pontos negativos, Menon cita a retenção de valores que, na verdade, voltarão à empresa que tem créditos. “Embora eu ache positiva a técnica do split payment por trazer segurança jurídica com relação a pagamento e concorrência desleal, há pontos para melhora para evitar pagamento em duplicidade e ausência de crédito”, afirma.
Júlio de Oliveira, sócio líder das áreas de impostos indiretos e contencioso tributário no escritório Machado Associados, concorda que o split pode contribuir para elevar a conformidade no recolhimento de impostos. No entanto, diz, se o sistema não for efetivo e transparente, há risco de judicialização.
Os problemas podem ocorrer, por exemplo, na devolução de créditos naqueles casos em que os pagamentos forem feitos em dinheiro ou cheque. Nessas hipóteses, há risco de o imposto não ser recolhido pelo vendedor, o que cria um problema para o comprador utilizar seu crédito tributário. É uma polêmica que já ocorre hoje em relação ao ICMS, disse.
A Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) não quis se manifestar. O Ministério da Fazenda se limitou a dizer que o GT terá “caráter técnico” e como objetivo “discutir questões relativas à implementação do split payment”.
Fonte: Valor Econômico