Reforma tributária: Controle da legalidade e uniformização preocupam procuradores

Aprovado pela Câmara dos Deputados na noite da última terça-feira (13/8), o texto do Projeto de Lei Complementar 108/2024 regulamenta o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tributo estadual criado pela reforma tributária e que substitui os atuais Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), estadual e ISS (Imposto sobre Serviços, municipal), bem como a distribuição da receita do tributo.

De acordo com o texto, o Comitê Gestor terá 7 instâncias, entre elas o Conselho Superior, com 27 representantes de cada estado e outros 27 para os municípios, e uma Diretoria de Procuradorias. Com as emendas, a previsão é que a inscrição em dívida ativa (créditos públicos que não foram pagos dentro do prazo legal) seja feita pelo pelos entes federativos, estados e municípios, mas em um sistema único gerido pelo Comitê Gestor, por meio da diretoria de procuradorias.

Atualmente, a inscrição é, na maioria dos estados, feita pelas Procuradorias da Fazenda, considerando a preocupação com o controle de legalidade da cobrança. A situação dos municípios, no entanto, é distinta, e cerca de 90% deles fazem a inscrição via secretaria municipal da Fazenda, conforme apontou Andrea Veloso, procuradora do município do Rio de Janeiro, durante o segundo dia do Congresso Nacional da Dívida Ativa, realizado nesta quarta em Brasília.

“Por essa realidade, o texto teve que sair considerando a legislação de cada ente, mas é um avanço. Não dá para ignorar a realidade, mas também alcançamos essa situação intermediária [com a inscrição via diretoria de procuradorias]. É incongruente que o controle de legalidade seja feito pelo próprio órgão que lança [a inscrição]”, diz a procuradora, que participa do grupo de trabalho da reforma tributária na Associação Nacional de Procuradores Municipais (ANPM). “O controle tem que ser feito por um órgão jurídico, e por outro órgão que não faça a inscrição”, defende. Além disso, a atuação das Procuradorias na inscrição diminui os riscos de judicialização, uma vez que a análise delas, tendo em vista assuntos superados em cortes superiores, leva a cancelamentos de processos antes de ajuizamentos, afirma.

Outro ponto de preocupação é o contencioso judicial, que “ainda não tem nenhuma diretriz no novo sistema”, admitiu durante o evento Bernard Appy, secretário extraordinário da reforma tributária. “É muito, muito complicado ter ações correndo sobre o mesmo tema em 27 estados, com possíveis decisões conflitantes”, diz. “O IBS começa a ser cobrado em 2029, mas é um tema que certamente vai merecer atenção e no qual temos que trabalhar”.

Participação dos procuradores
Ainda em julho, Fabrizio Pieroni, diretor financeiro da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp), disse em nota que a “a participação dos procuradores dos Estados no Comitê Gestor, longe de ser uma pauta meramente corporativa, é uma medida que assegura a segurança jurídica, reduz a possibilidade de litígios e combate à fraude e sonegação fiscal”. Além disso, a Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, em nota, afirmou que a participação dos procuradores de Estado e municípios no Comitê Gestor era “tímida”. “A Advocacia Pública estadual está sub-representada em relação à administração fazendária”, afirma. No texto aprovado, o relator do PLP, Mauro Benevides Filho (PDT-CE), aceitou emendas que determinam que as reuniões do Conselho Superior tenham também representantes da Diretoria de Procuradorias.

No entanto, a participação das Procuradorias ainda é vista com preocupação em outros pontos. Apesar de serem considerados “gêmeos” pela configuração de IVA dual, os novos tributos IBS e Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS) não terão contencioso administrativo único. Enquanto o Comitê Gestor cuidará do IBS, o contencioso do CBS ficará a cargo do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que hoje cuida de PIS/Cofins.

A estrutura, além de possibilitar entendimentos divergentes para IBS e CBS, desafia a ideia de simplificação trazida por tributos “gêmeos” e traz preocupações de insegurança jurídica. A promessa para aplacar essas preocupações era que o PLP 68 traria duas instâncias para garantir a harmonização (Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias e Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias).

O PLP 108 tem ainda uma seção que determina a obrigatoriedade de observância, no processo administrativo tributário, dos precedentes vinculantes dos tribunais superiores. No entanto, não assegurava o assento dos representantes das Fazendas Públicas nas Câmaras como exclusivo às procuradorias – isto é, havia a possibilidade de auditor ou procurador exercer a função. A redação foi alterada antes da aprovação para dar competência exclusiva aos procuradores. “Isso é só um começo, ainda teremos muitas batalhas em discussão”, diz Andrea Veloso.

“O nosso papel [dos procuradores] é participar ativamente nesse processo, para garantir que os PLPs sejam concebidos de forma técnica, de forma a reforçar a segurança jurídica e garantir que nossas atribuições sejam garantidas”, diz Moisés de Sousa Carvalho, procurador-geral adjunto Tributário.

Reforma tributária
O PLP 108/2024 foi aprovado com mais facilidade do que a primeira lei complementar da reforma tributária, o PLP 68/2024, que teve discussão com parlamentares, governadores e Receitas estaduais no primeiro semestre. No entanto, a perspectiva é que a votação do PLP 68 no Senado ocorra apenas em novembro, após as eleições municipais – o que pode empurrar a ida do PLP 108 ao plenário ainda mais para frente.

O período de transição da reforma terá início em 2026, com a cobrança de IBS e CBS com alíquotas iniciais diferenciadas. Em 2027, o CBS passará a ser cobrado de forma integral. A previsão é que as novas regras de reforma entrem em vigor integralmente a partir de 2033.

Fonte: Jota

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