Fazenda cria transações para PLR, JCP e stock options e dívidas judicializadas

O governo federal lançará editais de transação envolvendo pelo menos 17 grandes teses tributárias. Entre elas estão as discussões sobre tributação de Participação nos Lucros e Resultados (PLR), stock options, Juros sobre Capital Próprio (JCP), desmutualização da Bovespa e amortização de ágio. Esse rol mínimo consta de uma das modalidades do Programa de Transação Integral (PTI), lançado na sexta-feira (30/8) pelo Ministério da Fazenda, por meio da Portaria 1.383/2024 . A segunda modalidade será voltada à transação de débitos judicializados, ou seja, dívidas envolvendo tributos federais que os contribuintes discutem no Judiciário.

Essas teses são enquadradas nas chamadas controvérsias jurídicas relevantes e amplamente disseminadas. O JOTA apurou que os editais estão em fase de elaboração na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O órgão ainda não informou quando serão divulgados. Além do rol mínimo listado, a portaria afirma que outras teses poderão ser incluídas posteriormente.

Na modalidade envolvendo créditos judicializados, a Fazenda inova ao permitir, por exemplo, que empresas com boa capacidade de pagamento possam negociar débitos com desconto a partir de uma avaliação que envolverá o grau de indeterminação do resultado das ações judiciais e a duração do processo. Neste caso, a PGFN ainda disciplinará, por meio de portaria, critérios para aferir o grau de recuperabilidade das dívidas. Com isso, ainda não há data para os contribuintes aderirem ao programa.

A PGFN já havia lançado transações envolvendo amortização fiscal de ágio e contribuições previdenciárias sobre PLR anteriormente. No entanto, não houve a adesão esperada, já que na época os percentuais de desconto eram menores e não havia a possibilidade de incluir apenas parte do contencioso sobre o tema na transação. No evento Diálogos Tributários, promovido pelo JOTA em julho, a procuradora-geral adjunta de representação judicial da Fazenda Nacional Lana Borges informou que foram negociados em cada um cerca de R$ 66 milhões e R$ 800 milhões, respectivamente.

Os novos editais serão lançados no contexto das mudanças introduzidas pela Lei 14.689/2023, a Lei do Carf, publicada em 20 de setembro de 2023. A nova legislação trouxe condições mais vantajosas para os contribuintes. Entre elas estão o aumento do número de parcelas, a não incidência de tributos sobre o desconto concedido, o aumento do percentual de desconto máximo de 50% para 65% e a não exigência de que o contribuinte desista da tese. A partir dessa lei, a PGFN começou a lançar os editais do programa conhecido como “Transação 2.0”. Desde dezembro de 2023, a PGFN lançou editais envolvendo tributação de lucros no exterior , de incentivos de ICMS e contratos de afretamento de plataformas.

Grandes teses
Entre as grandes teses que serão negociadas estão as discussões envolvendo a cobrança de contribuições previdenciárias sobre Participação nos Lucros e Resultados (PLR). O edital deverá detalhar as controvérsias. De todo modo, o assunto é polêmico no Judiciário e na esfera administrativa. Em 2023, por exemplo, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) validou, no julgamento do REsp 1182060/SC, a cobrança do tributo sobre a PLR distribuída a diretores estatutários ou não empregados, ou seja, não submetidos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Outra tese objeto de controvérsias no Judiciário e que será negociada envolve a cobrança de IRPF e de contribuição previdenciária sobre valores recebidos em planos de opção de compra de ações, chamados “stock options”, ofertados pelas empresas a seus empregados e/ou diretores. Neste caso, por exemplo, o STJ julgará sobre a sistemática de recursos repetitivos, no Tema 1226, a natureza jurídica desses planos de opção, se eles são atrelados ao contrato de trabalho (remuneração) ou se estritamente comerciais. A decisão em repetitivo obriga os tribunais, com exceção do Supremo Tribunal Federal (STF), e o Carf a aplicar o entendimento do STJ em casos idênticos.

A Fazenda também lançará edital para negociar discussões envolvendo requisitos para cálculo e pagamento de Juros sobre o Capital Próprio (JCP). O JCP é um pagamento feito por uma empresa aos seus acionistas, que pode ser realizado em forma de dinheiro ou de capitalização, com a disponibilização de ações ao investidor. O mecanismo foi instituído pelo artigo 9º da Lei 9.249/1995 e, apesar de não ser uma obrigação, é utilizado por companhias como forma de incentivar os investimentos e reduzir a carga tributária. O edital também deverá detalhar melhor os temas. Uma discussão comum no Carf e no Judiciário, por exemplo, versa sobre a possibilidade de o contribuinte deduzir da base de cálculo do IRPJ os JCP referentes a exercícios anteriores. É a chamada dedução do JCP extemporâneo.

No que diz respeito à desmutualização da bolsa, a PGFN pretende negociar débitos que surgiram após a transformação da Bovespa e a BM&F de associações para pessoas jurídicas de capital aberto. Antes da alteração, as instituições financeiras eram obrigadas a deter um título patrimonial para funcionar na bolsa de valores, mas, com a mudança, esses títulos foram substituídos por ações. Os contribuintes discutem com a Fazenda Nacional a cobrança de PIS e Cofins sobre a venda de ações no contexto desse processo de desmutualização. Além disso, debatem a cobrança de IRPJ e CSLL sobre a valorização, isto é, sobre o ganho de capital das ações que foram recebidas no processo de desmutualização.

No caso da amortização de ágio, discute-se a tributação da diferença paga a mais na aquisição de participação societária com base na expectativa de lucros futuros. Há diversos debates relacionados ao assunto, entre eles o de ágio interno, que ocorre quando a operação que gerou o valor passível de amortização envolve empresas do mesmo grupo econômico. Este mês, em um caso envolvendo a Telefônica Brasil S.A, o Carf negou a amortização do ágio interno.

A tributarista Rejiane Prado, sócia e fundadora do escritório Barbosa Prado Advogados, afirma que a adesão aos editais demandará análise criteriosa pelos contribuintes dos riscos e benefícios em cada tema. Ela destacou, por exemplo, que, em temas com jurisprudência oscilante, a adesão é um caminho para mitigar riscos e encerrar a discussão. No entanto, afirmou, temas como o JCP extemporâneo apresentam jurisprudência favorável ao contribuinte, o que deve ser analisado. Em 2023, a 2ª Turma do STJ autorizou a dedução, no REsp 1950577/SP.

“Assim, é crucial que as empresas avaliem cuidadosamente cada tese à luz de sua situação específica. A análise do contencioso tributário, o potencial de êxito em futuras disputas e os benefícios fiscais oferecidos pelo programa devem ser ponderados para uma decisão estratégica”, afirma Prado.

Créditos judicializados
Advogados consideram positiva a ampliação dos critérios de análise da dívida do contribuinte, para fins de concessão de desconto, na modalidade que negociará débitos judicializados. O programa prevê que a PGFN analisará tanto o grau de indeterminação do resultado das ações judiciais em curso quanto a temporalidade, ou seja, a duração das discussões judiciais. Os critérios ainda serão definidos, mas a expectativa é que a incerteza sobre o resultado do processo e o tempo de duração ampliem o tamanho do desconto ofertado aos contribuintes.

O tributarista Igor Mauler Santiago, do escritório Mauler Advogados, afirma que, hoje, o contribuinte com solidez financeira e bom pagador de tributos tem o pior tratamento. Muitas empresas, diz, mesmo sabendo que têm boas chances de perder os casos, abrem mão de aderir à transação tributária porque não têm benefício para antecipar o pagamento.

“A inclusão, nos critérios para avaliação da dívida, da duração e das perspectivas de êxito do processo é positiva para os bons contribuintes, que antes não tinham incentivos para desistir de algumas ações, e também para a União, que antecipará o recebimento dos valores ali discutidos”, diz Mauler.

Confira o rol mínimo de 17 teses que serão objeto de edital de transação tributária:
-Contribuições previdenciárias sobre PLR;
-Correta classificação fiscal dos insumos produzidos na Zona Franca de Manaus e utilizados para produção de bebidas não alcoólicas, para fins de aproveitamento de créditos de IPI e para fins de definição da alíquota de PIS/Cofins e reflexo no IRPJ e na CSLL;
-Irretroatividade do conceito de praça previsto na Lei 14.395/2022, para aplicação do Valor Tributável Mínimo (VTM) nas operações entre interdependentes, para fins de incidência do IPI;
-Dedução da base de cálculo do PIS/Cofins, pelas instituições arrendadoras, de estornos de depreciação do bem, ao encerramento do contrato de arrendamento mercantil;
-Requisitos para cálculo e pagamento de Juros sobre o Capital Próprio (JCP);
-Incidência de IRPJ e CSLL sobre o ganho de capital no processo de desmutualização da Bovespa; e discussões sobre a incidência de PIS/COFINS na venda de ações recebidas na desmutualização da Bovespa e da BM&F;
-Discussões sobre amortização fiscal do ágio;
-Discussões sobre a incidência de PIS/COFINS nos casos de segregação da empresa para quebra da cadeia monofásica;
-Discussões sobre as Instruções Normativas RFB 243/2002 e 1.312/2012 na disciplina dos critérios de apuração do preço de transferência pelo método PRL, conforme o art. 18 da Lei nº 9.430/1996.
=Discussões sobre a incidência de contribuição previdenciárias do empregador nas hipóteses de contratação de empregados na forma de pessoa jurídica, com dissimulação do vínculo empregatício (“pejotização” da pessoa física);
-Discussões sobre a incidência de IRPF e de contribuição previdenciária sobre os valores auferidos em virtude de planos de opção de compra de ações, chamados “stock options”, ofertados pelas empresas a seus empregados e/ou diretores;
-Dedução de multas administrativas e regulatórias da base de cálculo do IRPJ e da CSLL;
-Incidência de IRRF sobre ganho de capital auferido por investidor não residente no País (INR);
-Dedutibilidade da base de cálculo do IRPJ e da CSLL das despesas com a emissão ou a remuneração de debêntures;
-Incidência de IRRF e Cide sobre as remessas ao exterior efetuadas por empresas do setor aéreo;
-Aplicação das regras de preços de transferência para fins de apuração do IRPJ e da CSLL com base no arts 18 a 24 da Lei 9.430/1996, relativamente ao setor aéreo; e
-Tributação de receitas na apuração do Lucro Real e da base de cálculo da CSLL das empresas do setor aéreo.

Fonte: Jota Pro

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