TRF-1 cancela cobrança de IR que ficou parada na esfera administrativa

A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) acatou o recurso da Vertical Equipamentos, empresa baiana do ramo de transporte e movimentação de cargas, e anulou uma cobrança de R$ 3,7 milhões de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL. O motivo da anulação é raro em casos tributários: foi aplicada a chamada prescrição intercorrente, tese que era considerada perdida pelos contribuintes.

Como o processo ficou parado por mais cinco anos – desde a impugnação até ser julgado pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ), a primeira instância da esfera administrativa – o crédito, de acordo com os desembargadores, não poderia mais ser exigido pela Fazenda. Foi a primeira decisão sobre o assunto no TRF-1.

Segundo advogados, o precedente é forte para buscar a anulação de ações sem movimentação no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) por esse mesmo prazo, além de milhares de processos fiscais nas esferas municipal e estadual. Dados públicos do Ministério da Fazenda mostram que das 489 mil ações no estoque do Carf, mais de 304 mil, o equivalente a 62%, ainda estão em fase de preparação e triagem desde 2020. Mais de duas centenas delas são da década de 1990. Não é possível, porém, saber quantas ficaram sem qualquer tipo de movimento processual ou diligência, o que poderia ensejar a aplicação da prescrição intercorrente.

A fundamentação da relatora, a juíza federal convocada Rosimayre Gonçalves de Carvalho, se baseia no prazo de decadência de cinco anos adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em uma ação julgada em repercussão geral para ressarcimento de danos à Fazenda Pública (Tema 666). Rosimayre também cita a Constituição Federal, que prevê a duração razoável dos processos judiciais e administrativos. E que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recurso repetitivo, determinou o período de um ano como prazo máximo para a administração analisar pedidos dos contribuintes em ações fiscais (REsp 1138206).

Ela reconhece que não há no ordenamento jurídico prazo para o Fisco dar uma decisão em um processo, mas diz ser possível a aplicação, por analogia, “na hipótese de inexistir disposição expressa”, conforme o Código Tributário Nacional (CTN). Por isso, ela aplicou a prescrição intercorrente administrativa, de cinco anos, na ação tributária.

“Seria um contrassenso admitir prazo para os processos administrativos em geral, e inexistir qualquer prazo para o processo administrativo fiscal, que ocorreria, inclusive, à revelia da Constituição Federal”, diz ela, no acórdão.

A magistrada ainda afirma ter verificado “a inércia da administração fazendária em promover o andamento do processo administrativo”. Essa situação, acrescenta, “impõe o reconhecimento da prescrição intercorrente administrativa, em atenção aos princípios constitucionais da eficiência, segurança jurídica, razoável duração do processo, oficialidade e legalidade administrativa.

Só houve um voto contrário, da desembargadora Maura Moraes Tayer. Ela argumenta que a Lei nº 9.873/1999, na qual foi estabelecido o prazo de prescrição na esfera administrativa, não é aplicável aos procedimentos de natureza tributária. E que as normas específicas que regem o processo administrativo fiscal – Decreto nº 70.235/1972 e a Lei nº 11.457/2007 – não preveem o reconhecimento da prescrição intercorrente. A criação dessa regra para créditos tributários seria matéria de lei complementar, como decidiram os tribunais superiores (RE 559943).

A turma reformou a sentença dada pela 13ª Vara da Seção Judiciária da Bahia. No recurso, a Vertical pedia a prescrição por conta de o processo ter ficado paralisado entre abril de 2013 e setembro de 2019. No mérito, pediu para que a atividade da empresa não fosse enquadrada como locação de bens, mas transporte de cargas. Esse argumento também foi acatado (processo nº 1004497-68.2020.4.01.3300).

De acordo com o tributarista André Melo, sócio do Cescon Barrieu, a prescrição intercorrente de três anos, prevista na Lei nº 9.873/1999, já é aplicada por tribunais, mas para processos administrativos no geral, como multas do Ibama, e não para os fiscais. E também se aceita, acrescenta, a previsão de 360 dias da Lei nº 11.457/2007. “Se houver pelo menos 360 dias de inércia, se interrompe a mora”, diz.

Na visão de Melo, a decisão do TRF-1 é um “posicionamento isolado”, pois a jurisprudência é majoritariamente desfavorável aos contribuintes. “Para processos administrativos federais, não se tem acatado sob o argumento de que não tem na lei um marco como na lei geral e não há norma específica para a suspensão da exigibilidade do crédito”, afirma.

A maior parte da morosidade processual, contudo, não é exatamente no Carf, mas nas delegacias da Receita Federal, como no caso julgado pelo TRF-1. “Às vezes o processo vai para o Carf, mas, por algum motivo, tem que voltar para a instância preparatória para pedir nova perícia ou ter uma análise documental mais acurada. Aí pode ter uma demora”, diz Melo.

Para Maurício Faro, sócio do BMA Advogados, a discussão é antiga, mas não emplacava. O acórdão, afirma, pode servir de precedente para todos os processos tributários do Brasil, não só no Carf. “Se isso emplaca, esse racional se aplica em todos os processos, municipais e estaduais. Se ficou mais de cinco anos parado de maneira injustificada, a prescrição é reconhecida.”

O tributarista Lício Bastos Silva Neto, sócio do Santos Neto & Boa Sorte (SNBS) Advogados Associados, que defendeu a Vertical no caso, diz sempre usar o argumento nos processos, mas esse foi o primeiro com decisão favorável. “Desde a emenda constitucional que acrescentou no artigo 5º da Constituição, começamos a alegar que seria possível aplicar o prazo de cinco anos. A gente levou essa tese para tentar a analogia”.

Neto diz, porém, que é preciso haver “desídia” da parte da Receita para configurar a prescrição intercorrente. “Para consumar a prescrição, é o prazo aliado à falta de impulsionar o processo pela Fazenda Pública. Nesse caso, impugnamos e ela simplesmente deixou o processo parado por seis anos”, explica. “Não é uma tese que pode aplicar em qualquer caso, tem que ter uma omissão da Fazenda em dar prosseguimento”, completa.

A tributarista Maysa Pittondo, sócia do CPMG Advocacia e ex-conselheira do Carf, também diz que na doutrina, muitos defendem a tese, mas, no Judiciário, a esperança estava perdida. “Não tem muita discussão sobre isso, porque é algo que há muitos anos foi sedimentado por conta da previsão da Lei nº 9.783. Mas essa decisão traz novos ares.”

Ela adverte, porém, que não sabe se a decisão se sustentará no STJ e STF. “O que foi deficiente na fundamentação é o porquê ela entendeu por não aplicar a Lei nº 9.783. Ela não enfrentou isso, ultrapassou essa previsão legal, porque isso poderia ser afastado pelo CTN”, afirma Maysa, citando a fundamentação da relatora.

Procurados pelo Valor, a Receita Federal e o Carf não deram retorno até o fechamento da edição. Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) diz que já recorreu da decisão e entende “pela inaplicabilidade do instituto da prescrição intercorrente na esfera administrativa fiscal, por ausência de previsão legal, na linha do que já decidido pelo STJ.”

Fonte: Valor Econômico

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