Carf mantém multa a empresário por planejamento tributário abusivo via fundos de investimento

Uma decisão recente do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) mantém multa aplicada ao empresário Eduardo de Souza Ramos, sócio da HPE Automotores, representante oficial da Mitsubishi Motors e Suzuki no Brasil, por planejamento tributário abusivo. Por unanimidade, os conselheiros entenderam que a interposição de fundos de investimento foi simulada, com único intuito de usufruir de benefício fiscal. O valor da multa não está público.

O Fisco desconsiderou a estrutura tanto de um fundo multimercado exclusivo quanto a de um fundo de investimento imobiliário (FII) e tributou Ramos pelo Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) – que tem alíquota de 27,5%, quase o dobro dos 15% que seriam aplicados se a pessoa jurídica fosse considerada. A 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 2ª Seção ainda manteve multa qualificada de 100% como punição.

Publicado no dia 3 de junho, o acórdão incomodou tributaristas. Segundo eles, o entendimento contraria a previsão legal específica para FIIs, que isenta de tributação o rendimento com aluguéis para pessoa física. O caso ainda destoa de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 2446) e recentes entendimentos do Carf favoráveis ao Itaú Unibanco (processo nº 16327.720206/2020-69) e à fabricante de bebidas Ambev (processo nº 16561.720180/2015-19), em que a existência de fundo não configurou simulação e a autuação fiscal foi afastada.

No caso do sócio da HPE, os principais fundamentos para manter o auto de infração foram a falta de “racionalidade empresarial” e “propósito negocial” do FII, que não fez captação de recursos no mercado e não investiu no setor imobiliário, o que desvirtuaria a finalidade básica da estrutura. Além disso, os conselheiros constataram que houve uma reorganização societária com a transferência de imóveis para o FII, detido por Eduardo Ramos – sem circulação de dinheiro – e que ele era o real beneficiário dos rendimentos.

A autuação foi aplicada em novembro de 2021, referente a renda supostamente omitida entre 2016 e 2019. A defesa do empresário ainda tentou argumentar que já havia passado o prazo de decadência, de cinco anos, em que o Fisco poderia aplicar a multa. Mas isso não foi acatado, por conta da possibilidade de fiscalização de fatos passados.

Para a 1ª Turma Ordinária, as transações do grupo societário isoladas aparentam legalidade, mas, quando analisadas em conjunto, foi verificado um “abuso de direito”. Isso porque o empresário teria, por meio da reorganização societária, dissimulado o fato gerador de IRPF (Processo nº 10580.731272/2021-68).

No acórdão, a relatora, a conselheira Flavia Lilian Selmer Dias, afirma que a prática do contribuinte pode ser categorizada como uma elusão fiscal ou elisão ineficaz. “Em uma análise mais rasa e só considerando cada elemento da estrutura, tem aparência de legalidade, todavia, em uma análise mais apurada se verifica a atipicidade do negócio jurídico, o uso de grande dose de artificialidade e a clara distorção das finalidades da norma tributária”, completa Flavia.

O entendimento majoritário do Carf, acrescenta, é avaliar a simulação “em um conceito mais amplo, não analisando só o resultado e a legalidade de cada elemento da estrutura do planejamento tributário, mas verificando o resultado final, avaliando o quão ‘artificioso’ foi o caminho usado, a adequação com a finalidade da norma, e o propósito que levou aquela estrutura”.

Para a advogada tributarista Maysa Pittondo Deligne, sócia do CPMG Advocacia e ex-conselheira do Carf, a decisão vai de encontro ao que foi decidido em casos recentes por impor um propósito ao fundo não exigido pela lei. “[A decisão] afirma, sem qualquer fundamento legal, impõe que o propósito ou a finalidade do fundo de investimento seria ter pluralidade de cotistas”, diz.

Segundo ela, foi decidido pelo STF que são permitidos planejamentos tributários com o objetivo de gerar economia, sendo desnecessárias outras razões para embasar o negócio jurídico. Ela afirma que isso consta no voto da ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI 2446.

“O CTN [Código Tributário Nacional] não proíbe o contribuinte de buscar economia fiscal pelas vias legítimas, realizando suas atividades de forma menos onerosa, e, assim, deixar de pagar tributos quando não for configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada”, completa Maysa.

Fonte: Valor Econômico

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