Contribuintes saíram derrotados na maioria dos julgamentos do Supremo e STJ em 2023

A União venceu, em 2023, pelo menos 16 importantes julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em apenas quatro, o impacto estimado é de R$ 62,4 bilhões. O de maior valor é o que trata da tributação de incentivos fiscais de ICMS: R$ 47 bilhões em jogo.

Se a conta incluir discussões envolvendo tributos estaduais e municipais, o placar de 2023 fica ainda pior para os contribuintes. Levantamento do escritório Machado Associados indica 34 vitórias de entes públicos – entre eles a União – em 49 julgados nos tribunais superiores. São casos analisados em recursos repetitivos, repercussões gerais ou considerados relevantes pelos especialistas do escritório.

“O saldo não é nada positivo para os contribuintes, que inclusive tiveram algumas expectativas frustradas”, afirma Renato Silveira, sócio do Machado Associados. Ele cita como exemplos os julgamentos, no STF, sobre a exclusão do ICMS do cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL no lucro presumido e a “quebra” de decisão definitiva – a relativização da “coisa julgada”.

Entre os casos que envolvem os Estados, o advogado destaca a autorização para cobrança do diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS em 2022 – contribuintes defendiam 2023. O impacto foi estimado inicialmente pelos Estados e Distrito Federal em R$ 9,8 bilhões – valor referente à perda de arrecadação de todo o ano de 2022.

Considerando apenas as repercussões gerais no Supremo, os contribuintes conseguiram vencer só 4 de 14 julgamentos realizados – envolvendo todos os entes. Nos casos sem repercussão geral, ganharam em apenas 3 de um total de 8.

Em um deles, os ministros decidiram que planos de saúde, meios de pagamento, administração de fundos, consórcio e leasing deveriam continuar pagando ISS para os municípios onde estão instalados (ADPF 499 e ADIs 5835 e 5862).

No STJ, “o contribuinte sofreu mais”, segundo Silveira. Dentre sete casos julgados como repetitivo, venceu dois. Em outros 20 julgamentos considerados relevantes – sem o status de repetitivo -, obteve vitória em apenas seis.

Um deles foi considerado uma grande vitória por especialistas. Os contribuintes conseguiram vencer o primeiro julgamento sobre ágio no STJ (REsp 2026473). A questão foi analisada em setembro pela 1ª Turma. A decisão foi unânime.

Os contribuintes, porém, saíram derrotados no STJ em uma importante questão. Em abril, a 1ª Seção autorizou a União a tributar empresas que recebem incentivos fiscais de ICMS, o que pode gerar um impacto positivo de R$ 47 bilhões por ano na arrecadação, segundo estimativas da Receita Federal.

Antes do julgamento, a Fazenda Nacional enfrentava dificuldade com o assunto no STJ. Havia precedente contra a tributação de crédito presumido e era aplicado pelo tribunal para diferentes incentivos, segundo o procurador Thiago Silveira, que coordena a atuação da PGFN no STJ.

“No começo os ministros não estavam considerando que eram benefícios diferentes”, afirma. Quando os incentivos em geral foram julgados, a PGFN conseguiu manter a tributação, desde que seguidos alguns critérios. Os contribuintes ainda questionam a extensão da vitória, por causa da redação da decisão e pediram esclarecimentos em embargos de declaração (REsp 1945110 e REsp 1987158).

A PGFN não entrou com recurso. “Para nós, a decisão está clara. Mas considerando os argumentos levados pelos contribuintes, fizemos algumas ponderações”, diz o procurador. Já no julgamento sobre crédito presumido, foi apresentado recurso – e a procuradoria destaca a mudança na composição da 1ª Seção.

No colegiado, os contribuintes também foram derrotados na discussão sobre a exclusão do ICMS do cálculo do IRPJ e da CSLL no lucro presumido (REsp 1767631). O impacto é estimado em R$ 2,4 bilhões. Outro precedente relevante no STJ, mas sem estimativa de impacto, autorizou a incidência de Imposto de Renda e CSLL sobre correção monetária de aplicações financeiras (REsp 1986304).

“O ano de 2023 foi muito positivo. Mas a Fazenda deve ganhar mais [que o contribuinte] mesmo. A edição de instrumento normativo passa pelo crivo de vários órgãos jurídicos. É de se esperar que, com todo esse aparato para a produção da norma, esteja dentro da legalidade”, afirma o procurador.

Entre as derrotas, além do ágio, a PGFN destaca que a 1ª Turma passou a seguir o entendimento da 2ª Turma e considerar que os pagamentos acumulados de juros sobre capital próprio (JCP), que incluem valores referentes a anos anteriores, podem ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (REsp 1971537).

No STF, o grande julgamento do ano na Corte tratou da possibilidade de “quebra” de decisões definitivas, segundo advogados e o coordenador da atuação da PGFN na Corte, Paulo Mendes. Em fevereiro, os ministros definiram que sentenças tributárias dadas como definitivas deixam de ter efeito sempre que houver um julgamento posterior na Corte em sentido contrário (RE 955227 e RE 949297).

“Foi muito importante porque diz respeito ao sistema tributário como um todo. Não é pró-Fazenda ou pró-contribuinte, pode se aplicar para os dois”, afirma Mendes. Ainda está pendente pedido de modulação de efeitos (RE 949.297 e RE 955.227).

O limite da coisa julgada é muito relevante e, economicamente, deve garantir uma quantia importante para os cofres públicos, projeta o advogado Rafael Bragança, sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados e Rodrigo Fragoas. Não há uma estimativa do impacto, segundo o procurador Paulo Mendes, mas um levantamento apenas sobre multas aplicadas pela Receita Federal, em uma tese tributária, aponta R$ 1 bilhão.

Em 2023, o STF também encerrou uma disputa grande com os bancos. Validou a incidência de PIS e Cofins sobre receitas financeiras de instituições financeiras (RE 609096). Em conjunto foi julgada a cobrança das contribuições sociais sobre os valores de prêmios de seguros (RE 400479). Apesar da decisão favorável à tributação dos prêmios, contribuintes levantam dúvida sobre a tributação das reservas técnicas.

Para os bancos, a União aponta impacto de R$ 115 bilhões mas, segundo fonte ouvida pelo Valor, o valor não seria tão alto e estaria mais próximo do estimado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), de R$ 12 bilhões. Esse montante leva em consideração que alguns bancos estavam pagando os tributos ou desistiram da discussão.

“É positivo para o país que o Estado brasileiro tenha suas políticas tributárias ratificadas pelo Judiciário”, afirma o procurador Paulo Mendes. Segundo ele, é um recado para as empresas de que o Estado vem agindo dentro da legalidade e da Constituição. “Imagine se metade dos tributos brasileiros fossem inconstitucionais. Seria um caos o país.”

Entre os julgamentos relevantes do ano de 2023, no STF, estão alguns que não têm estimativa de valor de impacto. Um deles autorizou o uso de medidas alternativas para assegurar o cumprimento de ordem judicial – como apreensão de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e de passaporte (ADI 5941). Na mesma linha, em 2023, o STF se manifestou a favor do desempate pelo voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Apesar dos valores indicados para os casos pelo governo, é muito difícil saber com precisão o ingresso efetivo de receita decorrente desses julgamentos nos tribunais superiores, segundo Vilma Pinto, da Instituição Fiscal Independente (IFI). E nos casos em que a União sai derrotada, acrescenta, além do passivo relacionado àquela disputa, pode haver efeito na arrecadação – como ocorreu com a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.

Fonte: Valor Econômico

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