Falta de representação no julgamento administrativo do IBS preocupa contribuintes

A estrutura para análise administrativa do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), com apenas uma das três instâncias de julgamento composta por representantes dos contribuintes, tem gerado críticas entre tributaristas. A previsão, que consta no segundo projeto de lei complementar (PLP) de regulamentação da reforma, preocupa pelo fato de justamente a instância responsável pela uniformização em caso de divergência contar apenas com a participação de representantes dos estados e municípios.

Outro aspecto que gera questionamentos é a possibilidade de, administrativamente, CBS e IBS serem alvo de entendimentos distintos, já que o primeiro tributo será julgado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O PLP 68/24, primeiro projeto relacionado à reforma a ser divulgado pelo governo, prevê a criação de duas instâncias harmonizadoras, porém compostas apenas por integrantes da União, dos estados e dos municípios.

Três instâncias
De acordo com o texto do segundo PLP de regulamentação da reforma, que deverá ser enviado esta semana ao Congresso, a estrutura de julgamento administrativo do IBS será composta por três instâncias. A primeira delas terá 27 câmaras de julgamento, responsáveis pela análise das autuações lavradas pelos estados e seus respectivos municípios. Cada câmara será composta por quatro julgadores: dois servidores indicados pelo estado e dois pelos municípios.

A segunda instância também terá 27 câmaras, porém será composta por oito julgadores: dois representantes dos estados, dois dos municípios e quatro dos contribuintes. O presidente, que será necessariamente um representante dos municípios ou das unidades federativas, votará em caso de empate.

Por fim, a última instância terá a atribuição de uniformizar o entendimento em caso de divergências entre as câmaras da segunda instância. Ela será composta pela Câmara Superior do IBS, integrada por oito julgadores que representarão, de forma paritária, os estados e os municípios. Não há previsão de participação de representantes dos contribuintes nesta fase.

A última instância é a que mais preocupa especialistas. Isso porque, assim como a Câmara Superior do Carf, ela terá a função de dar a última palavra quando há divergências de interpretação na segunda instância. O fato de ela ser composta apenas por representantes do fisco, assim, gera o temor de que a posição final em relação ao imposto seja majoritariamente favorável à administração tributária.

“Como esperar que haja legitimidade nessa função, no julgamento do recurso de uniformização do IBS, se a formação do órgão julgador não conta com a participação dos representantes dos contribuintes, os quais, por sua vez, podem ter sido determinantes para a formação de uma das interpretações divergentes que se está a analisar?”, questiona Thais De Laurentiis, sócia do Rivitti e Dias Advogados e ex-conselheira do Carf.

O tema foi tratado nesta terça-feira (4/6) durante a coletiva de imprensa relacionada ao novo PLP. O diretor de programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária Manoel Procópio afirmou que o papel da instância de uniformização é “tão somente, como o próprio nome diz, atuar em cima de decisões divergentes da segunda instância, tentando prover esse padrão”. Ele salientou, ainda, que o colegiado não analisará provas. “A avaliação da prova e a manifestação definitiva, inclusive de avaliação de prova, é feita na segunda instância, com participação também da representação dos contribuintes”, disse.

A explicação, porém, não convence tributaristas, já que a Câmara Superior do Carf, hoje, também não analisa provas, e isso não reduz a importância do colegiado ou impede que casos de relevância cheguem à turma. Grosso modo, para especialistas, o fato de não haver análise de provas pelo colegiado não retira a importância da representação dos contribuintes.

O advogado Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados, acredita que, com medidas como o split payment, o fim dos benefícios fiscais, a cobrança no destino e a não-cumulatividade plena, o IBS e a CBS devem ser alvo de uma litigiosidade menor em relação aos tributos atuais. Mesmo assim, a estrutura para julgamento administrativo do IBS preocupa. “No fundo, a participação de representantes dos contribuintes no processo de formação do crédito tributário, tal como previsto, fica limitada a uma fase intermediária. Isso acaba fazendo com que o controle do processo administrativo fique inteiro nas mãos da administração tributária”, afirmou.

O temor de uma jurisprudência majoritariamente favorável ao fisco vem, ainda, do fato de, em caso de empate na segunda instância, a palavra final ser necessariamente de um representante dos estados ou dos municípios. Não se trata de um voto de qualidade, já que o presidente da turma votará apenas em caso de empate, mas o efeito prático pode ser semelhante.

Comitê de harmonização
Outra preocupação quando o assunto é julgamento administrativo dos novos tributos diz respeito à possibilidade de entendimentos distintos quanto ao IBS e à CBS, já que os tributos serão julgados por tribunais distintos. “Teremos um contribuinte autuado por uma mesma fiscalização, com base na mesma lei, mas um tribunal dizendo que ele deve IBS outro que ele não deve CBS. Esses tributos irmãos xifópagos que querem separar só na fase de contencioso”, afirma a advogada Livia Germano, sócia do Barros Pimentel Advogados.

O tema também foi tratado na coletiva de imprensa da última terça. O secretário extraordinário da reforma, Bernard Appy, salientou que o PLP 68 prevê duas instâncias responsáveis pela harmonização entre o IBS e a CBS: o Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias e o Fórum de Harmonização Jurídica das Procuradorias. “Esse comitê e esse fórum têm como objetivo harmonizar a interpretação da legislação, que é vinculante para os auditores fiscais e para os procuradores. Nós entendemos que, por este mecanismo, você vai acabar tendo uma uniformização da atuação dos contenciosos administrativos, tanto federal quanto o do IBS”, disse.

O texto do PLP 68, entretanto, prevê apenas a participação de integrantes da União, dos Estados e dos municípios nas instâncias. O comitê de harmonização será formado por representantes da Receita Federal, dos estados e dos municípios, enquanto o fórum contará com a participação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, dos estados e dos municípios.

A possibilidade de formação de uma jurisprudência administrativa majoritariamente desfavorável aos contribuintes, ainda, gera a preocupação com uma judicialização grande do IBS e CBS, já que a Justiça pode ser o caminho após uma derrota na esfera anterior.

Fonte: Jota Pró

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