O governo federal deu o pontapé inicial para regulamentar a reforma tributária e criou um programa para ajudar na elaboração de anteprojetos de lei sobre o tema. Por meio da da Portaria MF 34/2024, o Ministério da Fazenda instituiu o Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo (PAT-RTC), que terá 60 dias, a partir da reunião de instalação da Comissão de Sistematização, para concluir suas atividades.
O programa terá uma comissão de sistematização, um grupo de análise jurídica e 19 grupos técnicos. Ao todo, serão 15 grupos voltados à regulamentação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Eles estão subdivididos em uma série de temas, entre eles importação e regimes aduaneiros especiais; imunidades; regime específico de serviços financeiros; regime específico de operações com bens imóveis; e regime específico de combustíveis e biocombustíveis.
Os outros quatro grupos técnicos são destinados à regulamentação da distribuição dos recursos do IBS; do Fundo de Sustentabilidade e Diversificação do Estado do Amazonas e do Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental e do Amapá; do Comitê Gestor do IBS; e do Imposto Seletivo.
Depois de mais de 30 anos de debates, a reforma tributária do consumo foi aprovada em 15 de dezembro na Câmara dos Deputados e promulgada em 20 de dezembro por meio da Emenda Constitucional 132/2023. Foram criados dois tributos nos moldes de um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) Dual: um IVA federal, chamado CBS, com a junção PIS, Cofins e IPI (parcialmente); e um IVA subnacional, denominado IBS, reunindo o ISS e o ICMS. Também foi criado um Imposto Seletivo, que incidirá sobre a “produção, extração, comercialização ou importação” de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, além de sacramentar a progressividade de imposto sobre heranças e doações e permitir a cobrança de IPVA sobre jatinhos e lanchas.
A partir da promulgação, o governo tem até 180 dias para encaminhar ao Congresso Nacional os projetos de lei regulamentando o tema. Fazenda e parlamentares, porém, querem usar menos tempo, até porque o ano eleitoral reduz o tempo efetivo de exame, discussão e negociação das propostas. A partir dos prazos para os grupos de trabalho previstos na portaria, o quadro é para o envio entre março e abril. Sinal disso é o prazo de 60 dias a partir da instalação da Comissão de Sistematização, o que deve ocorrer na semana do dia 22 – mudanças nesses cenários de prazo podem ocorrer.
Leis complementares
No evento Diálogos Tributários, realizado pela Casa JOTA em 12 de dezembro, o secretário extraordinário da reforma tributária da pasta, Bernard Appy, estimou que serão ao menos três leis complementares relacionadas ao tema, que deverão ser escritas “a seis mãos”, com a participação da União, do Distrito Federal e dos estados e dos municípios. A primeira deverá ser sobre IBS, CBS, regimes diferenciados e transição. A segunda, sobre o comitê gestor; e a terceira, sobre o Imposto Seletivo, que incidirá sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
A PEC também obriga o governo a encaminhar projeto de lei para a reforma da tributação da renda e desoneração da folha de salários em até 90 dias, mas a discussão efetiva desse tema não está clara em que momento ocorrerá.
São 71 tópicos a serem discutidos na regulamentação, segundo as contas dos técnicos envolvidos. Há diferentes cenários sobre a quantidade de leis complementares, a despeito da fala de Appy. Tem quem defenda apenas uma proposta, mas tem quem queira ainda mais que três projetos.
Nesse contexto, também já se debate qual será a melhor estratégia política para lidar com essa regulamentação. Uma das possibilidades é que, além de temas, os projetos de lei complementares sejam construídos juntando pontos com menos polêmicas em uma proposta e com mais polêmicas em outras.
Regulamentação deve respeitar pacto federativo, afirma advogado
Para o advogado Leonardo Gallotti Olinto, sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, de todas as questões que deverão ser regulamentadas, a mais sensível e problemática é a criação do Comitê Gestor do IBS, tratado inicialmente como Conselho Federativo. A seu ver, como o tema passou por mudanças no Senado, a Câmara, para evitar que a proposta não fosse aprovada ainda em 2023, não deu o tratamento adequado ao assunto. “Agora, a lei complementar terá que regulamentar de forma a não ferir o pacto federativo, tirando autonomia dos estados, e cuidar para que o órgão não tenha uma gama muito extensa de competências que acabe tolhendo a capacidade das unidades estaduais de gerir suas finanças”, diz.
Além disso, Gallotti Olinto ressalta que deve haver um “cuidado extremo com a inserção de temas estranhos ao que foi definido na PEC, os habituais jabutis, que acabam criando situações não previstas e aumentando a insegurança”.
A advogada Alessandra Okuma, do Okuma Advogados, por sua vez, ressalta que um tema de bastante relevância para os contribuintes é o ressarcimento de saldos credores dos tributos atuais. A tributarista observa que o aproveitamento desses créditos é especialmente importante para exportadores e empresas do setor do agronegócio.
“O agronegócio acumula créditos de ICMS [tributo que será extinto e substituído pelo IBS] porque tem muitos incentivos fiscais de ICMS. Os exportadores também acumulam esses créditos porque, embora a exportação seja imune, a Constituição autoriza a manutenção dos créditos apropriados pelas empresas nas etapas anteriores. Esses contribuintes têm valores significativos de créditos de ICMS, por isso precisam ter a garantia do ressarcimento”, diz Okuma.
Fonte: Jota