A inclusão dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) na regulamentação da reforma tributária gerou reação no setor. Associações que representam empresas de pagamentos, fintechs e consumidores enviaram carta ao Grupo de Trabalho da reforma tributária na qual dizem que o parecer do projeto de regulamentação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Sobre Bens Serviços (CBS) “coloca em risco a sobrevivência dos fundos de investimento” ao posicioná-los como “contribuintes”.
Na prática, o que o governo parece querer coibir é o uso do FIDC como mero instrumento de eficiência fiscal de companhias que fazem antecipação de recebíveis usando esses veículos. Isso incluiria tanto carteiras criadas por companhias de tecnologia financeira, empresas de pagamentos e credenciadoras de cartões quanto aquelas embarcadas em operações de “factoring”, que não captam, de fato, recursos de investidores.
As associações demandam que os fundos de investimento, independentemente da categoria, não sejam considerados contribuintes. Há preocupação especialmente com o artigo 190, que diz que ficam sujeitos à tributação FIDCs e os demais fundos que liquidem antecipadamente recebíveis por meio de desconto de duplicatas, notas promissórias, cheques e outros títulos passíveis de cessão. O trecho pegou algumas entidades de surpresa. Para elas, a exclusão deste e outros pontos beneficiaria a “ampliação do acesso a capital a partir da desintermediação bancária”.
A Anbima, entidade que representa o mercado de capitais e de investimentos, segue em conversas com o GT da reforma para que os fundos não sejam tratados como contribuintes, conforme afirmou Pedro Rudge, diretor da entidade, em conferência com a imprensa na sexta-feira.
Entre representantes do setor, a percepção é que aqueles portfólios classificados como entidades de investimentos – conceito emprestado dos fundos de participações em empresas (FIP) -, que de fato captam recursos com investidores, poderiam escapar e continuar isentos de imposto nas transações feitas dentro das carteiras.
“O próprio conceito de fundos está sendo testado”, diz Guilherme Cooke, sócio do Lobo de Rizzo Advogados. “A lógica que fez nascer, e que é necessária para que a indústria floresça, é que a [compra e venda de ativos na] carteira não é tributada, é quase um princípio ‘divino’ que é só na variação da cota, após perdas e ganhos, de forma consolidada. Tributar carteira não é ter fundo, mas empresa.”
Ele lembra que desde que o projeto de lei complementar começou a ser discutido havia o desejo do governo de colocar o FIDC como contribuinte, pelo entendimento de que qualquer um que antecipasse recebíveis deveria pagar IBS e CBS. “Parece ser uma tentativa de equalizar o tratamento para bancos, instituições de pagamento, e incluíram neste bolo o FIDC como se o fundo tivesse uma atividade empresarial, equiparando-o a uma instituição de pagamento.” Só que trazer numa lei que carteira de fundo é passível de ser tributável é uma exigência que “pode prejudicar produtos de verdade”, prossegue Cooke. “São questões que poderiam ser resolvidas via supervisão e fiscalização.”
Os fundos de recebíveis foram regulamentados no Brasil em 2001 e hoje reúnem quase R$ 490 bilhões. A legislação que taxou os fundos fechados exclusivos e restritos com o “come-cotas”, o imposto semestral que já incidia nos abertos, condominiais de renda fixa, multimercados e cambiais a partir deste ano, já tinha trazido a distinção entre entidades de investimentos ou não para ficarem livres do pedágio periódico. Nos fundos imobiliários e ligados à cadeia produtiva do agronegócio (Fiagro) foi criada uma regra de dispersão para que a isenção de dividendos seja possível apenas para portfólios com pelo menos 100 cotistas.
Seria melhor barrar o uso considerado indevido do FIDC em vez de “trancar o veículo, isso não arrebentaria a indústria inteira”, diz um gestor de recursos do segmento de fundos estruturados. “Se a empresa faz evasão fiscal com o veículo, vai para cima dela, não do fundo, o veículo é saudável.”
O custo extra do imposto recairia sobre as cotas subordinadas, segundo um outro gestor de crédito, já que as seniores e mezanino têm meta a ser respeitada. As cotas subordinadas geralmente são adquiridas pela própria empresa que origina os créditos, funcionam como uma espécie de garantia prestada pelo cedente, um colchão de liquidez para absorver perdas. Os retornos são amplificados.
“A estrutura de fundo foi desenhada para ser uma comunhão, um condomínio de investidores que ficam juntos para investir seus recursos. Quem presta o serviço são gestores e administradores para os fundos, os cotistas. Mas o fundo em si não presta serviço nenhum”, disse Rudge, diretor da Anbima. Eventuais usos da estrutura de fundos para eficiência tributária poderiam ser tratados no âmbito regulatório.
A carta enviada ao GT é assinada pela Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD), Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag), Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Associação Brasileira de Internet (Abranet), Associação Brasileira de Startups (Abstartups), Associação Brasileira de Tecnologia para o Comércio e Serviços (Afrac), Movimento Inovação Digital (MID) e Associação Brasileira de Defesa do Consumidor – Proteste | Euroconsumers-Brasil.
Elas afirmam que a legislação pode aumentar o custo de crédito aos consumidores e comerciantes, majorar a carga tributária incidente, aumentar a complexidade no sistema e promover a fuga de capitais estrangeiros do país.
Rubens Vidigal, assessor jurídico da Associação Nacional dos Participantes em Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (Anfidc) e sócio do Vidigal Neto Advogados, afirma que a mudança vai de encontro ao objetivo da regulamentação de aproximar o país de padrões internacionais. “Cria uma jabuticaba brasileira”, afirmou. Para ele, a redação do artigo também está vaga e, no limite, pode levar a um entendimento que abarca outros fundos, como multimercado e de renda fixa. “Gera muita insegurança jurídica.”
Hamilton de Brito Junior, presidente da Associação Brasileira de Factoring, Securitização e Empresas Simples de Credito (Abrafesc), diz que a medida representaria um retrocesso de 20 anos para o mercado de capitais. Para ele, o ideal é que o trecho seja excluído, mas uma alternativa seria fazer a distinção entre fundos que funcionam, de fato, como entidades de investimento.
Na semana passada, o GT da reforma decidiu manter os fundos imobiliários (FIIs) de “papel” e os Fundos de Investimento da Cadeias do Agronegócio (Fiagros) como não contribuintes. Já os fundos imobiliários de “tijolo” terão a opção de se tornar contribuintes e ter crédito para abater impostos.
Fonte: Valor Econômico