A Prefeitura de São Paulo iniciou uma ofensiva contra empresas que não recolheram ISS, especialmente as ligadas ao setor financeiro, por conta da discussão sobre onde deveriam tributar seus serviços. Um total de 117 autuações fiscais já foram lavradas, com base em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de junho, que definiu a questão.
Os ministros mantiveram liminar concedida em 2018. Entenderam que as empresas de planos de saúde, meios de pagamento, administração de fundos, consórcio e leasing deveriam continuar pagando ISS para os municípios onde estão instaladas.
Derrubaram a Lei Complementar nº 157, de 2016, que alterou a forma de cobrança, transferindo-a para onde está o cliente – o tomador de serviço. Com a norma, uma administradora de fundos, por exemplo, deixaria de pagar ISS na sua sede para recolher na localidade onde estivesse o cotista.
O assunto foi levado ao STF porque o novo formato de pagamento foi considerado complicado (ADPF 499 e ADIs 5835 e 5862). Em 2018, o ministro Alexandre de Moraes concedeu liminar suspendendo a mudança.
Na decisão, destacou que na nova norma não estava claro o conceito de “tomador de serviços”, gerando insegurança jurídica e a possibilidade de dupla tributação ou de incidência tributária incorreta. Em 2020, uma nova lei, de nº 175, trouxe algumas explicações, que não foram consideradas suficientes.
Como a liminar havia sido concedida por Moraes no fim de março de 2018, ficou a dúvida entre os contribuintes em relação ao período anterior, de vigência da lei. Em São Paulo, a prefeitura esclareceu a questão, por meio de solução de consulta – entendimento que diverge do atual.
A Solução de Consulta nº 41, do Departamento de Tributação e Julgamento (Dejug/SF), de outubro de 2018, estabeleceu que, para fatos ocorridos até 31 de maio de 2017 – quando passou a valer a Lei Complementar nº 157 -, o recolhimento deveria ocorrer no município de domicílio do prestador de serviços. Já para fatos ocorridos entre 1º de junho de 2017 e 22 de março de 2018 (data da liminar do STF), o pagamento deveria ser feito na cidade do tomador de serviços.
Para fatos posteriores, “até decisão em sentido contrário”, o município de São Paulo orientou que o recolhimento deveria ocorrer no município onde estiver sediado o prestador de serviços. Mas agora os contribuintes que não realizaram os pagamentos em São Paulo em 2018 estão sendo autuados – não há mais prazo para cobrar os valores de 2017. Ao mesmo tempo, não conseguem mais recuperar os valores recolhidos em outras cidades.
Em nota ao Valor, a Secretaria Municipal de Fazenda de São Paulo afirma que a solução de consulta foi proferida antes do julgamento do STF, “pelo que está desatualizada na parte em que orienta ao consulente recolher o ISS no domicílio do tomador do serviço, para fatos geradores ocorridos entre 1º de junho de 2017 e 22 de março de 2018”. Acrescenta que, considerando a decisão do STF, as cobranças dos tributos podem ser feitas ainda em dezembro de 2023.
O Código Tributário, explica, estabelece que a Fazenda Pública tem cinco anos a partir dos fatos para cobrar tributos, contados a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
“O fato do contribuinte, eventualmente, ter recolhido o ISS para outro município não o exime da obrigação de recolher o ISS para o município ao qual o imposto é devido”, diz a pasta, acrescentando que, considerando a atipicidade da situação, os afetados pela decisão do STF foram alertados e tiveram a possibilidade de autorregularização, sem a incidência de multas punitivas.
“Os 117 contribuintes que não realizaram a autorregularização ou que apresentaram justificativas não válidas foram objeto de autuação”, informa na nota o órgão, que não indicou quantos foram procurados nem qual o prazo oferecido para autorregularização.
Muitos dos afetados são do mercado financeiro, segundo o advogado Diogo Ferraz, sócio do escritório Freitas Leite. Ele afirma que já recebeu dez consultas sobre o assunto, todas do setor financeiro, e que já está preparando defesas na esfera administrativa e judicial.
“É um período pequeno, mas para alguns contribuintes são valores muito altos”, afirma o advogado, destacando que, passados cinco anos, há um aumento significativo com a incidência de juros e multa. “Tem casos em que o valor triplicou em relação ao original.”
Ferraz também destaca que com a autuação recebida agora, em dezembro, os contribuintes não conseguem pedir a devolução do valor pago a outro município. “O contribuinte tem cinco anos, contados a partir do pagamento indevido, para pedir de volta. Acabou o prazo, o último seria o ISS de março [de 2018], que acabou em abril de 2023.”
O contribuinte, diz o advogado, “fica sujeito a uma cobrança do município a que ele não tinha que pagar pela lei da época e vai ter enorme dificuldade pra receber do município a quem a lei mandava ele pagar”.
Ferraz destaca que a situação foi gerada porque o STF não estabeleceu um limite temporal para a decisão (a chamada modulação), preservando a situação de quem pagou errado. “E do lado dos municípios não há muita boa vontade porque eles precisam do recurso, gerando mais um contencioso desnecessário.”
O advogado Tadeu Puretz, sócio do Renault Advogados, que atuou em uma das ações no STF para o setor de saúde, diz não ter conhecimento de autuações na área. Ele lembra que, antes da decisão do STF, alguns municípios chegaram a enviar comunicações para os contribuintes sobre o ISS, mas, em geral, as empresas buscaram a Justiça e preferiram aguardar a decisão do Plenário do STF.
“Tínhamos clientes que deixariam de recolher ISS em um município para ter que pagar em cerca de 3 mil municipios, com obrigações acessórias e alíquotas diferentes. Mesmo que fosse possível calcular, até pagar a guia seria complicado”, afirma.
Fonte: Valor Econômico