Receita Federal esclarece tributação de software

Um novo entendimento da Receita Federal sobre a tributação de softwares, especificamente aqueles mantidos em nuvem (SaaS – Software como Serviço), livra contribuintes de terem de pagar Cide, PIS e Cofins na revenda da tecnologia importada no Brasil. Na Solução de Consulta nº 177, de 24 de junho, a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) se manifestou pela isenção dos três tributos quando houver envio de dinheiro ao exterior para o pagamento de licenças de distribuição e comercialização no país.

A Receita analisou o pedido de consulta de uma empresa brasileira que compra o direito de uso de um software de uma empresa dos Estados Unidos para vender a consumidor final no Brasil. Para o órgão, a companhia brasileira não é prestadora de serviço e sim mera intermediária. Por isso, os valores enviados ao exterior com a revenda devem ser considerados royalties, sobre os quais incidem apenas o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), com alíquota de 15% (ou 25%, se país for paraíso fiscal).

Na solução de consulta, contudo, a Receita destaca que o entendimento não vale para casos de licença de uso, em que haveria incidência de PIS e Cofins, com alíquota total de 9,25%. De acordo com a Receita, seria necessário distinguir essa questão do que foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2021. Na época, afirma, os ministros não trataram da natureza dessas licenças.

No julgamento, alteraram uma jurisprudência de mais de duas décadas para equiparar os softwares “por encomenda” e “de prateleira”. Estabeleceram que ambos deveriam ser tributados pelo ISS por ser uma prestação de serviços (ADI 1945 e ADI 5669). Até então, essa orientação valia somente para o software sob encomenda. O “de prateleira”, comercializado em larga escala, era tratado como mercadoria e tributado pelo ICMS.

Agora, na solução de consulta, a Receita diferencia a licença de uso e a de comercialização. Em alguns casos, passa a considerar prestação de serviços, em que deve incidir PIS e Cofins, e outros como royalties, onde há incidência de IRRF.

Para a advogada Fernanda Lains, sócia do Bueno Tax Lawyers, esse novo critério vai além do que foi julgado pelo STF e pode gerar judicialização. “O julgamento do Supremo analisou a natureza do software e decidiu que não importa se é de prateleira ou por encomenda, que seria prestação de serviços. Na minha opinião, o arranjo comercial não altera a natureza dele”, diz.

De acordo com Fernanda, “a nova interpretação pode dar margem ao nascimento de um novo contencioso, nesse momento em que o PIS e a Cofins estão prestes a morrer [por conta da reforma tributária]”. “O melhor agora é buscar um mandado de segurança preventivo.”

A Cosit, ao responder a solução de consulta, diz que a própria Lei dos Softwares (nº 9.609/1998) faz a distinção entre direito de uso e de distribuição ou comercialização, em que pode ou não haver transferência de tecnologia. “Ao remunerar o titular dos direitos de programa de computador residente ou domiciliado no exterior, verifica-se o papel de intermediário da consulente, que não é a usuária final das respectivas licenças adquiridas”, diz.

Como o caso trata da distribuição ou comercialização da licença, não incide PIS e Cofins. E, por não haver transferência de tecnologia, não há a Cide – que tem alíquota de 10%.

Segundo Gustavo Taparelli, sócio do Abe Advogados, o posicionamento da Receita é importante, já que as empresas brasileiras têm usado cada vez mais softwares importados, em nuvens. Ele diz que a Cosit já se manifestou sobre licença de uso, em uma consulta do ano passado (nº 107/2023). Nela, houve isenção de Cide, mas aplicação do PIS e da Cofins por entenderem ser uma prestação de serviço.

“Muitas empresas começaram a perguntar como seria a tributação sobre quem adquire a licença para revender”, diz. “Para nossa agradável felicidade, a Receita definiu que é preciso ter um tratamento diferente de quem adquire software para uso e para quem adquire para revender”, acrescenta o tributarista.

Na visão dele, a solução de consulta dá mais clareza e segurança jurídica, enquanto o julgamento do STF foi mais genérico. “Antes, não havia uma análise muito detalhada de quando era para revenda”.

Veronica Melo de Souza, sócia no Gaia Silva Gaede Advogados, lembra que só existia uma outra consulta da Receita sobre SaaS, em que a licença ficou enquadrada como serviços técnicos, incidindo PIS, Cofins e Cide. “É a primeira vez que a Receita reconhece que não há incidência de Cide”, afirma Veronica, citando a SC nº 191/2017.

A advogada diz que o julgamento do Supremo, apesar de não ter tratado de importação de licenciamento e sim de lei interna, provocou efeitos no entendimento da Receita. “Teve impacto nas remessas, porque a Receita entendeu que como seria serviço, incidindo o ISS, também incidiria o PIS e a Cofins”.

A Receita, segundo a advogada, não foi contrária ao julgamento do STF, apenas fez uma distinção. “Depois do julgamento, a Receita entendia tudo como serviço. Agora ela separa a licença de uso da de comercialização.”

Para Thales Stucky, do Trench Rossi Watanabe, o entendimento de agora traz segurança jurídica. Isso porque a última solução de consulta, de nº 107/2023, “estabeleceu uma natureza dúplice para as licenças de uso de software”. “Para fins de PIS/Cofins-Importação tal tipo de licença deveria ser considerada como natureza de serviços, mas para fins de IRRF aquela mesma remuneração pela licença de uso deveria ser atestada com royalties e, portanto, sujeita ao IRRF”. Com a nova interpretação, restou clara a não incidência.

Fonte: Valor Econômico

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