Contribuintes começaram a ser informados pela Receita Federal sobre o início de processos de fiscalização por causa de potenciais inconsistências em declarações de Imposto de Renda (IRPF) feitas no ano passado (ano-base 2022). Os procedimentos foram anunciados depois de o órgão enviar, no mês de maio, cartas alertando sobre divergências referentes à tributação de valores obtidos com redução de capital de participação societária no exterior – devolução de capital a sócio.
A Receita entendia, até mudança legislativa do começo deste ano, que os valores recebidos por sócios deveriam ser tributados como rendimento, e não como ganho de capital – como defendem os contribuintes. Sobre rendimento, deve ser aplicada a tabela progressiva do Imposto de Renda, de até 27,5%. Para ganho de capital, as alíquotas variam entre 15% e 22,5%. Caso o contribuinte seja autuado terá que pagar, além da diferença, multa e juros.
Em nota ao Valor, a Receita informa que foram encaminhados comunicados a diversos contribuintes com a intenção de orientar sobre a correta interpretação e indicar a oportunidade de autorregularização. Depois dessa fase, acrescenta, são iniciados os procedimentos fiscais, se houver necessidade. Foram priorizadas, neste momento, afirma o órgão, ocorrências identificadas no ano de 2022.
As primeiras cartas foram direcionadas para vários contribuintes como “mala direta”, segundo José Henrique Longo, sócio do PLKC Advogados, o que gerou reações diferentes. Alguns, afirma o tributarista, já se preocuparam, enquanto outros consideraram que era um engano. “Agora estão começando efetivamente as fiscalizações”, diz.
O advogado afirma que há poucos casos de clientes já autuados, mesmo sem receber a carta. Foi adotado pela Receita Federal a tributação sobre ganho de capital, mas não foi reconhecida a origem em moeda estrangeira, com posterior conversão – uma tese um pouco mais “leve” do que o órgão havia indicado nos comunicados que adotaria.
“Agora a Receita subiu o tom”, afirma Natalia Zimmermann, sócia do escritório Velloza Advogados. De acordo com ela, ainda existem clientes que estão recebendo “cartinhas mais genéricas”, mas alguns já começaram a receber avisos que sinalizam fiscalização e o termo de início do procedimento fiscal.
“Aquela carta era um convite para que os contribuintes entendessem que, na visão da Receita, a operação de redução de capital que tinham feito não estava aderente ao entendimento da Receita, que tributa como carnê-leão [rendimento]. E eles poderiam se regularizar”, diz.
A regularização antes da fiscalização permite a denúncia espontânea. Por meio dela, o contribuinte “corrige o erro” antes da autuação, pagando o imposto devido com aplicação da Selic – porém, sem incidência de multa por ter avisado espontaneamente sobre o valor devido.
“A partir do recebimento do termo de início de procedimento fiscal, já não é mais possível fazer a denúncia espontânea porque a fiscalização já começou e a Receita já está pedindo documentos que comprovem a operação feita”, afirma Natalia Zimmermann.
Segundo a advogada, tradicionalmente, a Receita sempre entendeu que toda forma de disponibilidade de ativo que implique valor superior à declaração de Imposto de Renda leva à aplicação da regra de ganho de capital. “Porém, nesse caso de redução de capital de empresa no exterior, quis mudar a regra.”
A advogada acredita que contribuintes que declararam que a origem primária dos recursos era em moeda estrangeira vão ser fiscalizados antes dos demais porque não pagaram nada de imposto usando a lógica do ganho de capital. São casos em que o recurso veio do exterior, como uma herança recebida de residente fora do Brasil que ficou em conta fora do país.
O entendimento da Receita consta em soluções de consulta dirigidas a contribuintes que aderiram ao Regime de Regularização Cambial e Tributária (Rerct), do ano de 2016. O Fisco considera que, para configurar ganho de capital, seria preciso haver alienação. Segundo o órgão, isso não acontece nos casos em que há o resgate de participação societária.
A Receita alega que na diferença a maior entre o valor da devolução de capital em dinheiro e o valor constante na declaração de ajuste anual podem estar incluídos o lucro da sociedade e a variação cambial decorrente dos valores integralizados pela pessoa física. Nos primeiros comunicados enviados aos contribuintes, indicou a Solução de Consulta nº 678, editada em 2017 pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit).
Com a edição da Lei nº 14.754, (Lei das Offshore), de 2023, a situação mudou. Desde 1º de janeiro, no retorno de capital de offshore ao Brasil, a pessoa física deve calcular o ganho de capital sobre o que foi aplicado na empresa, registrado em seu capital social ou rubricas equivalentes. O lucro da offshore, na sistemática da nova norma, passará a ser tributado automaticamente, no ano em que for auferido no exterior, à alíquota de 15%, ainda que não seja distribuído.
A variação cambial sobre o principal aplicado será tributada somente no momento em que houver, efetivamente, uma devolução de capital para a pessoa física residente no Brasil – por exemplo, quando houver uma redução de capital. Essa variação é calculada entre a data da remessa dos recursos e a data do retorno e será enquadrada como ganho de capital e submetida à incidência do Imposto de Renda pela alíquota de 15% para ganhos de até R$ 5 milhões a cada dois anos-calendário, ou alíquotas superiores, chegando a até 22,5%, no caso de ganhos de valor mais elevado.
Fonte: Valor Econômico