Receita nega créditos de PIS e Cofins por custos com reciclagem

A Receita Federal negou a tomada de créditos de PIS e Cofins por uma empresa que, para cumprir a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305, de 2010), precisa reciclar parte de suas embalagens. O posicionamento está na Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) nº 11, que orientará todos os fiscais do país. É a primeira vez que o Fisco se manifesta sobre esse tema.

Se a empresa pudesse tomar créditos dessa reciclagem, conseguiria um total de 9,25% de créditos de PIS e Cofins sobre os valores gastos – no regime de apuração não cumulativa das contribuições sociais.

A consulta foi feita por uma empresa que se dedica à atividade de torrefação e moagem de café, bem como na fabricação de laticínios. A companhia alegou que, em cumprimento à lei federal, estabeleceu um “Programa de Sustentabilidade”, reciclando cerca de “20% do total de resíduos que coloca no mercado e incentivando os consumidores a trocarem as embalagens vazias (materiais não biodegradáveis) por brindes em uma campanha de “Troca-troca”.

A empresa também é obrigada a elaborar um Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS), que atenda a todas as exigências estabelecidas em lei, como requisito condicionante para obter o licenciamento ambiental. Como os custos para o cumprimento desse plano são indispensáveis para a sua atividade empresarial e por decorrerem de imposição legal, alega que essas despesas seriam consideradas como insumo, passíveis de créditos de PIS e Cofins.

A companhia argumenta também que a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no ano de 2018, por meio de recurso repetitivo, decidiu que deve ser considerado insumo e, portanto, apto a gerar créditos, tudo que for imprescindível para o desenvolvimento da atividade econômica (REsp 1221170).

Ao analisar o caso, a Receita destacou que o artigo 175 da Instrução Normativa da Receita Federal nº 2.121, de 2022, dispõe que a base de cálculo dos créditos da PIS e da Cofins na modalidade insumos compreende os valores das aquisições de bens e serviços usados na produção ou fabricação de bens ou na prestação de serviços.

“Portanto, brindes destinados a campanha de “Troca-troca” (na qual consumidores de determinado produto trocam embalagens vazias por brindes), bem como reciclagem de embalagens vazias de produtos, não fazem parte do processo de torrefação ou de moagem de café, ou ainda da fabricação de laticínios, atividades essas exercidas pela consulente”, diz o Fisco na solução de consulta.

Ainda que aplicadas em programas de sustentabilidade decorrentes de imposição legal, segundo o Fisco, os bens e serviços não podem ser considerados insumos do processo de torrefação ou de moagem de café, ou da fabricação de laticínios.

De acordo com o advogado Matheus Bueno, sócio do Bueno Tax Lawyers, a Receita Federal continua sendo conservadora com relação à definição de insumos e tem negado o direito aos créditos quando se trata de obrigação legal, como já ocorreu no caso de despesas com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ou com a Lei Anticorrupção. “Mais uma vez uma decisão negativa, agora para gastos obrigatórios com a lei que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Na visão da Receita, não basta a imposição legal, mas tem que estar no processo produtivo”, diz o tributarista.

No caso concreto, Bueno destaca que não dá para saber na solução de consulta se a empresa adquire essas embalagens recicladas para usar nos novos produtos que fabrica. “Se essa reciclagem volta para a empresa, ela deve ser considerada como matéria-prima, e portanto, insumo que daria direito aos créditos de PIS e Cofins”, diz.

Segundo o tributarista Fabio Calcini, do escritório Brasil Salomão & Matthes Advocacia, o STJ naquele recurso repetitivo diz que deve ser considerado insumo aquilo que for essencial e relevante. E, para ele, no conceito de relevância entrariam as despesas que a empresa tem que fazer por obrigação legal.

De acordo com Calcini, “em um momento que se fala tanto de sustentabilidade, em preservação do meio ambiente, em ESG, em que a empresa tem despesas para fazer essa logística reversa, o Fisco não reconhece esses créditos, em contraposição com a sustentabilidade”.

Nesse mesmo sentido, Calcini afirma que o posicionamento da Receita Federal acaba destoando também do que diz a recém aprovada reforma tributária (Emenda Constitucional nº 32, de 2023). O parágrafo 3º, do artigo 145 da EC diz que “o sistema tributário nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente.”

Apesar da situação discutida ser um pouco diferente, Calcini afirma que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) já tem decisões que confirmam o direito a créditos de PIS e Cofins sobre gastos com tratamento e descarte de efluentes. “São situações de políticas obrigatórias de cumprimento de leis ambientais regulatórias”, diz o advogado.

Ainda existe precedente do Supremo Tribunal Federal (STF), com efeito de repercussão geral, no qual os ministros admitiram a tomada de créditos de PIS e Cofins na aquisição de insumos recicláveis (Tema 304). “São temas distintos, mas o espírito dessa decisão do Supremo vai no sentido de estimular o investimento que promova o meio ambiente”, afirma Calcini.

Fonte: Valor Econômico

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