STF e Fazenda negociam acordo para engavetar execuções fiscais

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso, negocia com o Ministério da Fazenda um acordo nacional para engavetar ações de execução fiscal paradas há mais de um ano, sem a citação do devedor ou sem a identificação de seus bens. Nos cálculos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), há um passivo de quase 35 milhões de processos de execução no Poder Judiciário.

A ideia que o ministro levou ao governo é de que as ações cujo valor de cobrança esteja abaixo de R$ 20 mil sejam sumariamente extintas, enquanto os processos envolvendo cifras entre R$ 20 mil e R$ 1 milhão sejam arquivados (com possibilidade de desarquivamento em caso de fatos novos, como localização de bens ou do devedor). Já nos casos acima de R$ 1 milhão, será feito um “pente-fino” para avaliar se ainda há bens ou patrimônio disponível do devedor.

O objetivo é reduzir os estoques, “racionalizando” o processo de execução fiscal e, assim, descongestionar o Judiciário. Uma portaria já foi assinada pelo CNJ e pela PGFN, em conjunto com os seis Tribunais Regionais Federais (TRFs), o Conselho da Justiça Federal (CJF) e a Advocacia-Geral da União (AGU).

As principais preocupações se referem às varas estaduais, nos processos de execução de Estados e municípios. Um exemplo é a judicialização envolvendo o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), que representa quase 90% das ações de execução fiscal. Só no município do Rio de Janeiro, por exemplo, a estimativa é de que as novas regras reduzam um acervo de 270 mil processos para cerca de 50 mil.

Está em análise, por exemplo, estabelecer aos prefeitos a obrigatoriedade de protestar o IPTU durante o exercício financeiro devido. Atualmente, a avaliação de Barroso e de seus técnicos do CNJ é de que os municípios têm o hábito de fazer “pacotes” de ações, com o acumulado de vários anos, o que sobrecarrega e trava o sistema de Justiça.

O CNJ já tem acordos com os municípios de Fortaleza e Salvador para reduzir os estoques, mas a ideia é que a política seja ampliada para todo o Brasil. Com a portaria já assinada e prestes a ser publicada, técnicos da área econômica agora estudam iniciativas mais arrojadas para concretizar a medida.

Barroso tem dito a interlocutores que boa parte das execuções fiscais são antieconômicas — ou seja, custam aos cofres públicos mais do que o montante que se busca arrecadar. Por isso, são as “vilãs” do sistema de Justiça, elevando ao dobro a duração média de um processo no Brasil, hoje estimada em 4,5 anos.

O CNJ identificou que em quase 50% das ações de execução fiscal não se consegue sequer citar o réu, ou seja, comunicá-lo formalmente de que ele está sendo alvo de um processo judicial. Nos casos em que isso é possível, outra dificuldade se apresenta: a localização de bens no patrimônio do devedor. Com isso, as ações acabam ficando paralisadas.

Uma das propostas de Barroso é criar uma espécie de fase “pré-judicial” — por esse modelo, que o ministro entende ser a fórmula mais eficiente de cobrança, ficaria proibido o ajuizamento de ações de execução fiscal sem antes ter havido uma tentativa pela via extrajudicial.

De acordo com o CNJ, uma única ação de execução fiscal custa R$ 30 mil ao erário público e recupera menos de 2% do valor demandado, enquanto o protesto tem custo menor e recupera mais de 20%. Por isso a ideia de extinguir as ações cuja cobrança seja inferior a R$ 20 mil.

As tratativas com a Fazenda devem se intensificar a partir de agora, devido a uma tese aprovada ontem pelo STF. A Corte definiu que é legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor, e que novas ações não podem ser ajuizadas sem tentativa prévia de conciliação ou protesto do título.

“Existem outros caminhos prévios para localização do devedor e de bens, para evitar que a discussão de uma dívida pequena movimente um processo que chegue até o Supremo, com um ônus financeiro não só para o contribuinte, como para a jurisdição”, disse a ministra Cármen Lúcia, relatora do caso.

Em entrevista ao Valor, a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida, contou que a PGFN trabalha em uma melhoria do ajuizamento de execuções fiscais desde 2015, o que já diminuiu as ações federais no Poder Judiciário.

Na mesma linha de Barroso, ela explica que há dois principais gargalos nos processos de execução: localização do devedor e localização dos bens para garantir a dívida. “Isso deixa o processo muito caro, moroso e pouco efetivo”, afirmou. “É uma proposta de trabalhar em conjunto para ver o que está arquivado, parado, e o que pode ser melhorado.”

Há oito anos, a PGFN só encaminha para a execução fiscal créditos que já passaram por algum tipo de cobrança administrativa, como registro e protesto da dívida. “Mas isso não é comum nos Estados, nos municípios e nos conselhos de representação”, ponderou. Assim, como há o ajuizamento de muitos processos de execução pelos entes sem uma qualificação prévia, “isso tem criado um grande ruído com o Judiciário”, explicou.

Uma das iniciativas da portaria será a criação de varas para centralizar a análise de processos de execução que estão parados. O exemplo vem do TRF-4 (da 4ª Região), que separou uma vara única para fazer o “pente-fino” nos processos. “Assim, as varas de execução podem focar nos processos mais novos, de localização de bens, monitoramento e combate à fraude, agilizando a execução”, disse.

Fonte: Valor Econômico

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