O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu contra os contribuintes na ação que discutia a possibilidade de se usar a compensação tributária — quando um crédito paga outro tributo — como argumento de defesa em embargos à execução fiscal (ação para cobrança de impostos). Era a última tentativa das empresas para ganhar a tese, que hoje tem jurisprudência contrária. O julgamento, por unanimidade, terminou na sexta-feira, no Plenário Virtual da Corte.
Os embargos são um meio de defesa contra a cobrança de dívida tributária, previsto na Lei de Execução Fiscal – LEF (nº 6.830/1980). Os contribuintes queriam alegar que já pagaram o imposto cobrado por meio de compensação tributária, na via administrativa, mesmo que ela ainda não tenha sido validada pela Receita Federal — que pode levar cinco anos para analisar o encontro de contas.
O relator, o ministro Dias Toffoli, já tinha dado uma decisão monocrática, em fevereiro deste ano, não conhecendo a ação, pelos aspectos infraconstitucionais da demanda. O contribuinte entrou com um agravo, que foi analisado pelo plenário da Corte. Mas ele também foi negado, com o mesmo fundamento.
Segundo Toffoli, não é possível por meio de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) reverter precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “o qual, respeitando sua competência constitucional, uniformizou a interpretação da legislação infraconstitucional”. “A suposta ofensa à Constituição Federal, caso configurada, seria meramente reflexa ou indireta, cuja análise não é cabível em sede de controle abstrato de constitucionalidade”, disse o relator, no voto (ADPF 1023). O ministro foi seguido pelos demais.
A ação foi levada ao STF em outubro de 2022, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). A entidade afirma ser preciso dar a interpretação correta, da Constituição Federal, para o artigo 16, parágrafo 3º da LEF e permitir, em embargos, a discussão sobre compensação em análise administrativa.
Já a Fazenda Pública entende que, nas execuções, deve-se apenas discutir a dívida. Ao STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) disse que “a compensação, em sede de embargos, como meio de defesa processual, restringe-se àquela já reconhecida administrativa ou judicialmente”. “A discussão sobre a legitimidade da compensação indeferida pela autoridade fiscal deve ocorrer em sede administrativa ou judicial própria, incompatível com o processo de execução fiscal”, afirmou a AGU, nos autos.
Para o CFOAB, essa interpretação mais restritiva viola princípios constitucionais como da isonomia e do contraditório. Argumentou, no processo, que quando a LEF foi publicada, em 1980, vedando a compensação, não estava regulamentada a possibilidade de pagar tributos com créditos, que só veio em 1996.
Análise
Segundo tributaristas, a decisão permite que o mesmo débito seja cobrado — e pago — duas vezes, já que a dívida cobrada na execução fiscal já teria sido quitada na esfera administrativa por meio de compensação. O tributarista Gustavo Vita Pedrosa, do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados já viu isso acontecer.
Segundo ele, o caminho seria a empresa entrar com uma ação judicial anulatória — o que ocorre na maioria dos casos desde que o STJ pacificou a matéria no ano de 2021, com o julgamento pela 1ª Seção (EResp 1795347).
Outra saída seria pedir a conversão dos embargos em anulatória, mas nem todos os juízes têm aceito, segundo ele, por conta do prazo de prescrição — alguns entendem que é de dois anos e outros, cinco anos. “Nos processos antigos, dependendo da situação processual, a empresa acaba tendo que pagar por conta do crédito ficar inutilizado e ela ter que pagar o débito. Ela é duplamente penalizada”, afirma Pedrosa.
O advogado Horácio Veiga de Almeida, sócio do Trench Rossi Watanabe, lembra que a jurisprudência foi, durante décadas, favorável aos contribuintes. “A 1ª Turma sempre autorizou e reconheceu a possibilidade da discussão, desde que a compensação tivesse sido apresentada previamente, antes do ajuizamento da execução fiscal”, afirma Veiga.
Com a mudança na jurisprudência, os contribuintes foram pegos de surpresa, acrescenta. Por isso, Veiga sugere que o STJ julgue novamente a matéria, em recurso repetitivo — mesmo que seja para reafirmar o entendimento desfavorável adotado hoje — só que com a modulação de efeitos, para restringir a aplicação apenas a casos futuros.
O intuito é garantir o julgamento dos embargos em curso na Justiça, para que os contribuintes não precisem entrar com anulatória, o que pode já ter prescrito. “Se conseguiria preservar o passado, essas dezenas de milhares de ações que discutem a compensação não homologada não seriam extintas e não prejudicaria o contribuinte que tem direito de crédito”, conclui.
O procurador tributário do CFOAB, Luiz Gustavo Bichara, afirma que é preciso agora trabalhar na votação do Projeto de Lei nº 2488/2022, que reforma a LEF e permite a discussão da compensação em embargos. “Ele traz uma redação muito razoável e foi construído em consenso com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Vai ajudar a pacificar esse cenário”, diz ele, que participou da comissão de juristas que elaborou o PL e representa a CFOAB no STF neste caso.
Procurada pelo Valor, a AGU não quis se manifestar. A PGFN não retornou até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico