A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a possibilidade da incidência do diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS na compra de bens destinados ao ativo imobilizado e uso e consumo por contribuinte do imposto. Os ministros, por maioria, não aceitaram o argumento de que faltaria lei complementar para a cobrança – diferentemente do que ocorreu no julgamento do STF, de 2023, que envolvia não contribuinte do ICMS. Para eles, nesse caso, haveria previsão legal.
A decisão reverte entendimento da 2ª Turma, após mudança na composição do colegiado. A ação discute a cobrança do Difal do ICMS pelo Estado de São Paulo nas aquisições interestaduais realizadas por empresas do Grupo Neoenergia – consumidores finais e contribuintes do imposto.
O recurso (RE 1471408) foi apresentado pelas empresas contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Para os desembargadores, o entendimento do STF sobre o Difal aplica-se apenas a consumidores finais não contribuintes de ICMS, que compram para uso e consumo sem desempenhar atividade comercial subsequente.
Na 2ª Turma, o entendimento foi mantido por três votos a dois. Prevaleceu o voto do ministro Dias Toffoli. Ele afirma que, no julgamento anterior sobre o Difal, considerou que a partir da Emenda Constitucional (EC) nº 87, de 2015, em operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS localizado em outro Estado, cabe ao Estado de origem o imposto correspondente à alíquota interestadual e ao de destino o imposto correspondente ao diferencial de alíquotas, ficando o remetente do bem ou do serviço responsável pelo recolhimento desse diferencial.
Por causa dessa modificação, o STF entendeu que seria imprescindível a edição de nova lei complementar com regras gerais, já que a existente, a Lei Kandir, não trataria dessa questão. Mas, segundo Toffoli, a EC nº 87 não modificou a disciplina relativa ao ICMS para casos de operações interestaduais com consumidor final contribuinte do imposto.
“Tal como já era previsto no texto original da Constituição Federal, ficou mantida, após essa emenda constitucional, a regra de que cabe ao Estado de origem a alíquota interestadual, e ao Estado de destino o diferencial de alíquotas na hipótese de operações interestaduais com consumidor final contribuinte do imposto”, afirma ele em seu voto.
O voto foi acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques. Os ministros André Mendonça e Edson Fachin ficaram vencidos. Em julgamento realizado em abril de 2023, no entanto, havia prevalecido o voto de Mendonça (RE 1385852).
Para o ministro, não é suficiente o fundamento de que a própria Constituição basta para autorizar que legislações estaduais prevejam a cobrança do ICMS-Difal, sem a intermediação de uma lei complementar federal de alcance nacional.
“Não fui capaz de vislumbrar razões fáticas ou jurídicas que diferenciassem a hipótese do consumidor final contribuinte de ICMS dos demais casos já resolvidos pelo Plenário deste Supremo Tribunal Federal”, afirmou Mendonça no voto. O ministro foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin e Ricardo Lewandowski, que integrava a turma até se aposentar – antes da chegada de Dias Toffoli.
O advogado Leonardo Aguirra, sócio no escritório Andrade Maia, destaca que esse caso é diferente daquele julgado pelo STF em 2023. Aquele precedente, explica, tratava de operações de venda de mercadorias para pessoas que não são contribuintes do ICMS.
O caso, agora analisado, acrescenta o advogado, trata das operações de compra por contribuinte de ICMS de bens de uso e consumo e ativo imobilizado. “A expectativa era que a 2ª Turma reconhecesse a ausência de base legal na Lei Kandir para a cobrança, mas não foi o que aconteceu.”
Para Daniel Tessari, do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados, o entendimento adotado agora pela 2ª Turma se alinha ao Fisco e, pelos precedentes citados no voto de Toffoli, pode ser um indicativo de um desfecho desfavorável para a matéria caso, futuramente, a questão seja submetida a repercussão geral – julgamento com efeitos vinculantes para as demais instâncias.
“Extrai-se uma linha de entendimento no STF de que não seria qualquer omissão legislativa que teria o condão de tornar inconstitucional ou ilegal a exigência de um tributo”, afirma o advogado.
Procuradas, Neoenergia e a Procuradoria do Estado de São Paulo informaram que ainda não foram intimados da decisão. A empresa, acrescenta, que seu modelo tributário tem “bases sólidas na boa governança fiscal, que exige uma tributação responsável, transparência e compromisso com a sociedade em geral”.
Fonte: Valor Econômico