Tribunal garante a contribuinte direito de gerir livremente créditos de ICMS

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deixou como opcional para a Cobreflex, empresa produtora de fios e cabos elétricos, transferir créditos de ICMS gerados com o envio de mercadorias entre Estados. A decisão é da 13ª Câmara de Direito Público.

Esse passou a ser um pleito das empresas após a publicação, no ano de 2023, de normas federais e estaduais para obrigar a transferência de créditos no deslocamento interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte, o que limitaria, segundo advogados, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADC 49 – ação de impacto bilionário para o varejo.

Em abril de 2021, os ministros invalidaram a cobrança de ICMS nessas operações de transferência interestadual de mercadorias. Porém, não definiram como ficaria o uso do estoque de créditos do imposto estadual.

Dois anos depois, em abril de 2023, houve a modulação do entendimento para que a determinação valesse a partir deste ano. Também ficou definido que os Estados deveriam disciplinar o uso dos créditos acumulados. Se isso não ocorresse, os contribuintes ficariam liberados para fazer as transferências sem qualquer ressalva ou limitação. Só que as regulamentações, dizem advogados, restringiram o que ficou decidido pelos ministros.

No julgamento, a 13ª Câmara de Direito Público do TJSP afastou a aplicação do Convênio 178 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), da Lei Complementar nº 204/2023 e do Decreto nº 68.243/2023, editado pelo Estado de São Paulo. Os desembargadores concederam liminar para a Cobreflex “apropriar-se do crédito referente ao ICMS, de forma facultativa, nas operações de mera transferência entre unidades de sua titularidade”.

Os desembargadores reverterem decisão anterior desfavorável à empresa. Levaram em conta os argumentos da isonomia tributária, livre iniciativa, segurança jurídica e a natureza não cumulativa do ICMS para conceder o mandado de segurança. Votaram as desembargadoras Flora Maria Nesi Tossi Silva, Isabel Cogan e o desembargador Borelli Thomaz, relator do processo (processo nº 2038251-19.2024.8.26.0000).

É uma das primeiras decisões de turma sobre o assunto, já que as contestações na Justiça são recentes. Há pelo menos seis liminares favoráveis aos contribuintes, concedidas em São Paulo, Ribeiro Preto (SP) e no Distrito Federal.

Mas há também uma decisão monocrática da própria 13ª Câmara de Direito Público, do desembargador Djalma Lofrano Filho, contrária ao contribuinte. Ele cassou liminar para determinar que fossem cumpridas as regulamentações atuais.

Lofrano Filho acatou a tese da Procuradoria Geral do Estado (PGE-SP) de que o governo obedeceu a decisão do Supremo. “Cumpriu a orientação emanada do STF no sentido de determinar que os Estados deveriam legislar sobre a questão dos créditos de ICMS entre estabelecimentos do mesmo contribuinte dentro do prazo fixado” (processo nº 3001876-02.2024.8.26.0000).

Segundo ele, o STF “não estabeleceu sobre o destino dos créditos relativos às operações anteriores ao ano de 2024, permitindo que tal regulamentação ficasse a cargo dos Estados”. Por isso, “não há como descumprir as normas estaduais que regulamentam o creditamento do ICMS, à luz do decidido pelo STF”, completou. Ele deu o efeito suspensivo para a Fazenda até o recurso ser julgado pela turma.

Na liminar cassada, a juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti havia afastado os efeitos do convênio, da lei complementar e do decreto. No entendimento dela, os dispositivos legais “implicam, na verdade, a instituição de fato gerador sobre a transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma titularidade, em total contradição com o que foi decidido pelo STF”.

Em nota ao Valor, a PGE-SP afirma que, “em vista da presunção de constitucionalidade, eventual afastamento das normas demandará a observância do princípio da reserva de plenário”. E acrescenta que o “julgamento da ADC 49 não determinou para quem vai o crédito, apenas orientou a regulamentação do tema pelos Estados”.

Para Guilherme Tostes, sócio do Bichara Advogados, que conseguiu liminar a favor de uma empresa, “há uma desvirtuação de toda a jurisprudência histórica dos tribunais” com as regulamentações. “Estão tornando obrigatória a transferência, o que, no nosso entender, não foi o que o STF determinou na ADC 49. Há algumas passagens nos votos dos ministros falando sobre a faculdade de transferência.”

Ele indica que o decreto de São Paulo inovou ainda mais porque tornou a transferência dos créditos para operações interestaduais obrigatório, mas opcional nas movimentações internas. “Acaba gerando um conflito com a Constituição Federal que veda o tratamento tributário distinto a depender da origem ou destino da operação. É mais um argumento que evidencia uma inconstitucionalidade dessa sistemática”, afirma.

A advogada Fernanda Tarsitano, sócia do Martinelli Advogados, diz que ainda é cedo para dizer como deve se consolidar a jurisprudência no TJSP. “É um tema muito recente e ainda deve amadurecer no tribunal. Mas os argumentos dos contribuintes são muito fortes. O pano de fundo da discussão sempre foi favorável, de não tributar a transferência de mercadorias do mesmo contribuinte”, afirma ela, que também obteve liminar favorável para um cliente.

Fernanda explica que o interessante é a transferência ser opcional. “As empresas têm situações muito particulares. Para umas, pode ser que faça sentido manter os créditos na origem, para outras, no destino. Se tornar obrigatório, pode ser muito ruim para a operação de algumas, pois gera acúmulo de crédito no destino.” A gestão dos créditos, acrescenta, é ainda mais importante com a reforma tributária aprovada, que muda todo o sistema e estabelece um período de transição para o uso desse estoque de créditos.

O advogado Ricardo de Holanda Janesch, sócio da Roit, empresa que usa inteligência artificial para soluções tributárias, tem 38 processos sobre o tema, a maioria de clientes do agronegócio. Ela diz que a diferença nas alíquotas de ICMS entre um Estado e outro e benefícios fiscais podem dificultar o uso dos créditos.

“A empresa vai ter que se valer de manobras para o estoque não ficar parado, sem eficiência”, afirma. Por isso, acrescenta, a importância das liminares, “que asseguram a segurança jurídica, em um cenário em que nem todos os Estados regulamentarem o uso dos créditos”.

Fonte: Valor Econômico

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