O governo espera que 20% dos contribuintes que discutem processos de grande impacto econômico no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) venham aderir aos editais do Programa de Transação Integral (PTI), que serão lançados pelo Ministério da Fazenda, a partir de propostas apresentadas pelas empresas. O número consta em nota técnica obtida pelo Valor e é importante porque foi considerado para estimar a expectativa de arrecadar R$ 26,48 bilhões com essa modalidade em 2025.
O PTI vai tratar de duas modalidades de transação tributária – os acordos entre a União e contribuintes para encerrar litígios administrativos ou judiciais. Uma para recuperar créditos inscritos na dívida ativa e com a cobrança judicializada e a outra para tratar de grandes teses em disputa. Para o segundo caso, uma portaria já foi publicada com um rol de 17 temas. Empresas podem sugerir outros assuntos que tenham interesse em transacionar. Ao todo, a arrecadação prevista com as duas modalidades de transação do PTI é de R$ 41,93 bilhões – R$ 12 bilhões englobados de outros editais.
No caso das grandes teses, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) prevê a abertura de editais que cubram 40% dos R$ 945,9 bilhões em discussão nos 6,5 mil processos de maior impacto econômico em tramitação no Carf. Ou seja, os editais do PTI vão tratar de R$ 378,36 bilhões em disputa.
A taxa de adesão esperada dos contribuintes é de 20%. Para estimar a arrecadação prevista por essa modalidade, a PGFN considerou o desconto máximo permitido pela lei de 65% sobre o valor desses créditos. Todo esse detalhamento consta em nota técnica obtida a partir de pedido de informação formulado pelo Valor, via Lei de Acesso à Informação.
O programa também prevê a possibilidade de transação para créditos inscritos em dívida ativa, mas que a cobrança foi judicializada pelo contribuinte. A estimativa é arrecadar R$ 15,45 bilhões com essa modalidade em 2025, com uma taxa de adesão de 40%.
Segundo estimativas da PGFN, há um estoque potencial de R$ 95,7 bilhões. Desse total, 42,27% são referentes a créditos de Imposto de Renda (IRPJ), 20,39% de CSLL CSLL e 15,61% sobre Cofins. O restante trata dos demais tributos.
Para calcular a estimativa de arrecadar R$ 15,45 bilhões com a recuperação desses créditos, o governo considerou um desconto médio de 80% nas verbas acessórias (juros, multa e encargo) e a adesão de 40% dos créditos elegíveis.
Em nota, a PGFN explica que a estimativa de adesão “se justifica no fato de o PTI passar a contemplar contribuintes saudáveis economicamente, mas cujos créditos jamais foram elegíveis à transação antes do PTI, que inovou ao trazer o conceito de Potencial Razoável de Recuperação do Crédito Judicializado (PRJ)”.
Com as duas modalidades previstas, a arrecadação total esperada pela União com o Programa de Transação Integral é de R$ 41,93 bilhões, incluindo outros editais. A PGFN considera que as adesões aconteçam de forma gradual. Por isso, é esperado que a arrecadação ocorra também gradualmente, entrando R$ 7,27 bilhões no primeiro trimestre no caixa, valor que aumenta 25% a cada trimestre, chegando aos quase R$ 42 bilhões ao fim de 2025.
A arrecadação esperada com o PTI foi incluída no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025, como uma das medidas extras de receita necessárias para alcançar o déficit zero no próximo ano. Luiz Gustavo Bichara, sócio-fundador do Bichara Advogados, diz que as previsões com o programa são, no mínimo, “ousadas”, mas que falta na nota técnica mais detalhes da metodologia utilizada para uma avaliação precisa.
“Estima-se um percentual de adesão de 40% para os 56 maiores casos judiciais, e 20% sobre os 6 mil maiores processos no Carf. De onde vem essa prognose? Quero crer que alguma metodologia séria foi utilizada. No entanto essa informação não foi disponibilizada na nota que instruiu o PTI”, afirma Bichara.
Neste ano, apenas no âmbito da PGFN, cerca de R$ 33,5 bilhões referentes a grandes teses já foram transacionados. Porém, mais da metade do valor veio da adesão da Petrobras à transação do afretamento.
Para advogados, a maioria das teses apresentadas pelo Ministério da Fazenda no Programa de Transação Integral não parece animar os contribuintes. Henrique Mello, sócio fundador do HM Law e juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP), destaca que em apenas cinco das 17 controvérsias jurídicas de alto impacto econômico não há jurisprudência pacífica e as discussões são mais de direito do que dos casos concretos.
Para as outras 12, afirma ele, já existe um entendimento favorável às empresas tanto na esfera administrativa quanto no Judiciário, como na amortização de ágio e pagamento de juros sobre o capital próprio (JCP). Portanto, acrescenta, é mais vantajoso continuar com o contencioso e esperar uma decisão definitiva, mesmo que leve anos.
Henrique Mello já recomendou a dois clientes aderirem ao PTI em duas das cinco teses que entende ser interessantes. Para outras duas, deu recomendação negativa. São elas: o aproveitamento de crédito de IPI na Zona Franca de Manaus e o conceito de praça para aplicação do Valor Tributável Mínimo (VTM) nas operações entre partes interdependentes, para recolhimento de IPI.
Dentre as teses indicadas para adesão, estão as discussões sobre incidência de IRRF sobre ganho de capital auferido por investidor não residente no país. A outra trata da incidência de contribuições previdenciárias sobre a participação nos lucros e resultados (PLR) de empresas.
Um terceiro litígio que vale a pena encerrar, afirma o tributarista, é o da incidência de tributos na desmutualização da Bovespa e da BM&F (atual B3), seja por ganho de capital ou pela venda de ações recebidas. “As seguradoras criaram uma tese para dizer que não poderia haver incidência dos tributos federais e não tiveram sucesso desde 2007”, diz Mello, indicando acórdão desfavorável na 3ª Turma da Câmara Superior do Carf (processo nº 16327.721093/2012-17).
O advogado ainda cita controvérsias relacionadas a aplicação de regras antigas de preços de transferência, com base na Lei nº 9.430/1996, para o setor aéreo. Além de casos que pedem a dedução da base de cálculo do PIS/Cofins, pelas instituições arrendadoras, de estornos de depreciação do bem, ao encerramento do contrato de arrendamento mercantil.
Leandro Cabral, sócio do escritório Velloza Advogados Associados, entende, porém, que, considerando a jurisprudência do Carf e da Justiça, valeria a transação apenas para um dos 17 itens, o que trata sobre a incidência de tributos federais na desmutualização da Bovespa e da BM&F (atual B3), seja por ganho de capital ou pela venda de ações recebidas.
Para ele, a tese de PLR, por exemplo, não valeria a pena, “por envolver uma interpretação da Receita Federal que vai contra a própria lei e a Constituição Federal, ao negar a natureza de PLR sem sequer ouvir empregados e sindicatos”. “Há um grande número de autuações e um viés fiscalista na jurisprudência mais recente do Carf, mas isso não justifica aderir à transação, pois o contribuinte tem direito a não pagar contribuições previdenciárias sobre PLR. Inclusive, por isso, a transação de PLR em 2021 arrecadou muito menos do que a Receita previa.”
Sobre as teses ligadas ao setor aéreo, Thiago Medaglia, sócio de TozziniFreire Advogados, diz que a que trata de discussões sobre tributação de receitas na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL é muito abrangente e pode valer a pena apenas para companhias estrangeiras e não brasileiras. E que sejam, acrescenta, de um país que não tenha algum tratado afastando a bitributação.
Essa controvérsia se tornou mais acentuada com uma operação da Receita Federal chamada Voo Rasante, em 2014. Para o Fisco, empresas teriam isenção de alguns tributos, mas não da CSLL. Na época, 12 companhias estrangeiras foram investigadas e os valores não recolhidos poderiam chegar a R$ 820 milhões. Medaglia diz, porém, que essa situação vale para casos muito específicos e que a jurisprudência no Carf tem sido favorável. Além disso, não há discussões novas após uma nova lei ter sido editada.
Outra tese, da incidência da IRRF e Cide sobre remessas ao exterior efetuadas por áreas, na visão do advogado, não vale muito a pena. Como regra, não é tributável pela Cide e o frete é isento, salvo raras exceções, segundo ele. “Já tem uma solução de consulta dizendo que não tem incidência, então na imensa maioria dos casos, não tem grande aplicabilidade”, diz Medaglia, citando a Solução de Consulta Cosit nº 140/2024.
Fonte: Valor Econômico